A escolha do procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, para a chefia da Secretaria Nacional de Segurança Pública foi tratada reservadamente no último sábado, em um jantar em São Paulo entre o novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo relatos obtidos pela equipe da coluna, Moraes defendeu na ocasião a escolha de Sarrubbo para o cargo, por sua experiência à frente do Ministério Público de São Paulo no enfrentamento de facções criminosas, o que poderia ajudar o governo Lula em uma das áreas mais sensíveis para o eleitorado.

A escolha do procurador para o cargo expõe, mais uma vez, o poder de Moraes, que já emplacou outros aliados no Procuradoria-Geral da República (PGR), no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ampliando sua rede de influência para dentro da administração petista e o comando do Ministério Público Federal (MPF).

“Alexandre de Moraes talvez seja hoje a maior força do STF, que Gilmar Mendes não saiba disso”, alfineta um integrante da cúpula da PGR ouvido reservadamente pela equipe da coluna, em referência às conexões do decano do STF, um hábil operador político dos bastidores de Brasília.

Após viver às turras com Augusto Aras na chefia da PGR, Moraes conseguiu emplacar o subprocurador Paulo Gonet para a chefia da instituição. Em maio do ano passado, quando Aras ainda estava no cargo, tanto Moraes quanto Gilmar Mendes aproveitaram um churrasco com Lula no Palácio da Alvorada para fazer lobby por Gonet, conforme informou o blog.

Gonet é amigo e já foi sócio de Gilmar no Instituto Brasiliense de Direito Público. Como representante da PGR no TSE, defendeu a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido nos meios de comunicação ao promover uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada repleta de ataques às urnas, conforme acabou decidindo o tribunal.

A campanha dos ministros do Supremo deu certo, e Lula indicou Gonet para a chefia da PGR após uma série de idas e vindas.

Agora, a expectativa, no STF e na PGR, é a de que Gonet se alinhe à posição de Moraes em investigações que fecharam o cerco contra o clã Bolsonaro, como o inquérito das fake news, o das milícias digitais e os desdobramentos da delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. E também em casos que atingem pessoalmente o próprio ministro, como o inquérito que investiga o episódio em que Moraes e sua família foram hostilizados no aeroporto de Roma – a obtenção das imagens do circuito interno do aeroporto opôs o STF e a PGR, na gestão interina de Elizeta Ramos.

Moraes e Gilmar também entraram de corpo e alma na escolha de Flávio Dino para a vaga aberta em setembro passado no STF com a aposentadoria de Rosa Weber, se engajando nos bastidores para convencer lideranças partidárias e senadores a aprovar a sua indicação.

A vitória de Moraes e Gilmar em dobradinha, com a confirmação das indicações de Gonet e Dino no mesmo dia, surpreendeu inclusive integrantes do governo Lula, que achavam que o presidente tentaria contemplar diferentes grupos políticos e alas do Judiciário nas duas escolhas.

Antes de expandir sua rede de influência na PGR, no Supremo e no próprio governo Lula, Moraes já havia obtido outras vitórias no TSE, Corte da qual é presidente.

No ano passado, antes que o TSE julgasse a primeira ação que levou à inelegibilidade de Bolsonaro, o ministro convenceu Lula a indicar dois aliados para as vagas de juristas titulares que estavam abertas: André Ramos Tavares e Floriano Azevedo, de quem é amigo pessoal há cerca de 40 anos.

Todos eles votaram para condenar Bolsonaro e declará-lo inelegível, endossando a maioria a favor da punição do ex-presidente da República, ao lado de Moraes, Cármen Lúcia e do relator do caso, Benedito Gonçalves.

As indicações de Azevedo e Ramos Tavares também foram vistas como uma forma de Moraes manter a influência no TSE, mesmo após deixar o tribunal, em junho deste ano. O mandato dos seus ministros aliados vai até maio de 2025 – e eles podem ser reconduzidos por Lula por mais dois anos, ou seja, até 2027, um ano depois das próximas eleições presidenciais.

Para o professor de direito constitucional Roberto Dias, da FGV-SP, Moraes ganhou forte protagonismo nos últimos anos, especialmente em razão da condução de inquéritos que tinham como foco a defesa da democracia e o freio aos rompantes autoritários do governo Bolsonaro. “E isso tem se expandido para outros campos, como a influência na nomeação de altos cargos jurídicos da República”, afirma.

“Seria importante o Brasil avançar num regramento mais transparente sobre esse tipo de atuação. Mas, de qualquer forma, ao menos as recentes nomeações são de pessoas com relevante formação jurídica, e que, nesse ponto, são reconhecidamente capazes na esfera em que passaram ou passarão a atuar.”

Por ironia do destino, foi uma decisão de Michel Temer – chamado de “golpista” por Lula até hoje – de indicar Moraes para o Supremo, em 2017, que pavimentou o caminho para o magistrado acumular tanto poder e emplacar aliados em postos-chave durante o governo do PT.

Na opinião do cientista político Sérgio Praça, da FGV, não cabe a um ministro da Suprema Corte “avalizar ou ajudar a indicar alguém no Ministério da Justiça nem na PGR”. “O Brasil normalizou isso, o que é algo extremamente lamentável e ruim para a saúde da democracia”, critica.

Apesar de acumular vitórias, Alexandre de Moraes também já amargou um revés, ao ver fracassar a candidatura de um ex-auxiliar, o desembargador Airton Vieira, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), para uma vaga aberta no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Como informou o blog, Vieira já defendeu a pena de morte e a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos – dois temas ultrassensíveis para o governo Lula, a militância petista e para os próprios integrantes do STJ, que deixaram o desembargador de fora da lista quádrupla para escolha do presidente da República.

Moraes chegou a entrar contato com ministros do tribunal para pedir que recebessem o ex-auxiliar para audiências em seus gabinetes, além de defender suas credenciais para integrar a Corte. Mas, pelo menos no STJ, essa interferência do ministro não surtiu efeito.


Fonte: O GLOBO