Em dois anos, a CBF já teve duas intervenções: uma durou 15 minutos. A mais recente durou 28 dias

É peculiar o Brasil, esse país de tantas siglas e caminhos. Quem imaginaria que uma ação do Partido Comunista do Brasil cairia numa mesa do Supremo Tribunal Federal para restituir um presidente deposto da Confederação Brasileira de Futebol? Num futuro documentário sobre o futebol brasileiro, lembraremos que, nos idos de janeiro de 2024, o PC do B foi ao STF para devolver a Ednaldo Rodrigues seu assento na CBF.

Essa ação pousou na mesma mesa que, certa vez, impediu que um certo ex-presidente assumisse como ministro da Casa Civil de uma presidente que a seguir seria deposta. O dono da mesa (o futebol é dinâmico) votaria depois para anular um processo contra o citado ex-presidente — que ganharia a última a eleição e, nessas voltas do mundo, sopraria alguma simpatia pela recente liminar.

Fato é que o nobre PC do B moveu seus pauzinhos jurídicos alegando preocupação com a seleção pré-olímpica. Vai-se o tempo em que o comunista raiz bradava contra o futebol, esse ópio do povo. Atualmente, foice e martelo tupiniquins se preocupam com os rumos da amarelinha, afinal... a nossa camisa jamais será vermelha, certo?

Ednaldo, dado como cadáver político pelos inimigos, trabalhou em silêncio em busca do cargo perdido. E, quando candidatos ao posto já faziam contas e campanha, chegou a carga brasiliense. Em Brasália, afinal, a caneta que apedreja é a mesma que afaga. Ednaldo havia sido removido num “canetaço judicial”. Agora, o mérito da liminar será julgado no pleno do STF. Como chegamos a esse ponto — do futebol ser assunto para os 11 ministros da mais alta corte judicial do país?

Essa é uma pergunta profunda. Afinal, a CBF é uma entidade privada. Mas no Brasil vale sempre repetir o adágio de Malan: até o passado é incerto. Em nossa pátria relacional, gravatas, conexões e influências importam. No jogo das togas togadas, o melhor esquema tático pode sucumbir vítima de um contra-ataque súbito com um artilheiro bem posicionado.

Em dois anos, a CBF já teve duas intervenções: uma durou 15 minutos. A mais recente durou 28 dias. Teve um treinador cujo mandato tampão acabou abruptamente na última semana. Um treinador que poderia ter sido e que não foi — e que aproveitou as peculiaridades brasileiras para renovar com o Real Madri. E agora, subitamente, temos um novo treinador — que, assim como o breve antecessor, tem o apreço da crônica especializada.

Poucos se lembram que, menos de dois anos atrás, Dorival Júnior estava no Ceará, longe da primeira prateleira do futebol nacional. Foi lá que o Flamengo foi buscá-lo para faturar Copa do Brasil e Libertadores. E a seguir rifá-lo por performance nas duas finais que ganhou. O surrealismo da demissão lançou Dorival para o São Paulo, onde se tornou bi da Copa do Brasil justamente em cima do Flamengo — o que carimbou sua mudança de patamar.

Ele chega com a seleção em modo de reconstrução — e vai precisar da sorte que a Fernando Diniz não teve. Com desfalques, ele não conseguiu resultados nem quando seu time dominou partidas — tipo contra a Argentina. O intervalo Diniz mostra que a trégua na camisa amarela é sempre breve. Se a bola não entrar, o brejo convoca a vaca num vórtex gravitacional. Não é mansa a vida naquela cadeira. Mas... quem teria coragem de não aceitar?


Fonte: O GLOBO