Preso desde janeiro em penitenciária espanhola, lateral pode pegar nove anos de prisão

Há um ano, a noite de 30 de dezembro de 2022 se tornaria um divisor de águas na carreira de Daniel Alves e, provavelmente, no olhar da sociedade e da Justiça espanhola sobre casos de agressão sexual. Naquela data, o lateral-direito foi acusado por uma jovem de 23 anos de tê-la estuprado no banheiro de uma boate em Barcelona. Três semanas depois, o jogador de 40 anos teve a prisão preventiva pedida pelo Ministério Público e, desde então, encontra-se numa penitenciária perto da cidade.

O futuro de Daniel Alves será decidido entre 5 e 7 de fevereiro, dias marcados para o julgamento do jogador. O processo será conduzido por um juiz de carreira, sem a presença de júri. Nos três dias previstos, o magistrado irá ouvir as testemunhas de acusação e defesa e a vítima. Por último, o acusado será interrogado. Após os debates entre as partes, a sentença será proferida.

— Há uma tendência grande pela condenação, como a prisão preventiva de quase um ano já indica. Além disso, é um caso simbólico para a Espanha por causa da mudança da legislação para crimes sexuais, em 2019. Até então, não havia tido um caso tão contundente e com uma figura tão representativa — explica o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada (Espanha).

Meses antes da prisão de Daniel Alves, o Código Penal espanhol teve o acréscimo de uma nova lei, que prevê que crimes sexuais devem ser tipificados de acordo com o consentimento da vítima. Conhecida como “Só sim é sim”, a lei considera que todos os atos sexuais não consensuais passaram a ser de violência. Por isso, o Ministério Público pede pena de nove anos, além de indenização de 150 mil euros (cerca de R$ 800 mil).

O juiz do caso, no entanto, pode ampliar ou diminuir a pena pedida pelo MP, assim como o valor da indenização. Acacio explica que o mais comum é o tribunal seguir o pedido.

— Não é habitual uma decisão por uma pena maior, mas, como é um caso de grande repercussão, pode acontecer — pondera o especialista.

Qualquer que seja a pena, em caso de condenação, Daniel Alves deve ficar preso apenas dois terços do tempo de punição. Ou seja, entre cinco e seis anos, se o pedido do MP for acatado.

— O sistema jurídico espanhol é bem parecido com o português e o brasileiro, baseado no sistema alemão. Há progressão de pena por bom comportamento, sistema de ressocialização organizado... — acrescenta.

O julgamento de fevereiro, no entanto, não deve significar o fim do processo. Cabe recurso ao Tribunal de Apelação (segunda instância da Justiça espanhola). A Corte Constitucional, máxima instância no país, tem competência reduzida e não deve julgar o caso.

Relembre o caso e dos desdobramentos

A denúncia

  • De acordo com a vítima, que teve a identidade preservada, ela dançava na boate Sutton, em Barcelona, com amigos no dia 30 de dezembro quando foi chamada para a mesa de Daniel Alves, na área VIP.
  • Ele a teria tocado por baixo de sua roupa íntima sem consentimento e a levado ao banheiro, impedindo que saísse e obrigando que fizesse sexo com ele.
  • A mulher procurou a equipe de segurança do estabelecimento, que chamou uma ambulância e a polícia. O jogador já havia ido embora.
  • Dois dias depois, a vítima registrou queixa contra o jogador. Em sua versão, ela destacou que Daniel Alves a "agarrou pela nuca, não sei se também pelos cabelos e me jogou no chão, machuquei o joelho".
  • A mulher que acusa o brasileiro, inicialmente, se recusou a receber qualquer tipo de indenização caso o jogador seja condenado. Mas a defesa a fez mudar de opinião.
  • Desde então, ela está recebendo apoio por parte do departamento encarregado e a denúncia está na Justiça, sob investigação, segundo o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha (TSJC).
Versões contraditórias
  • Em sua primeira manifestação sobre o caso, em um vídeo enviado ao canal de TV espanhol Antena 3, Daniel Alves negou as acusações e afirmou não conhecer a vítima.
  • Dias depois, o jogador mudou seu relato, afirmando ter encontrado a vítima no banheiro da boate, tendo sido surpreendido. Nessa versão, Alves afirmou que não teve qualquer contato com ela e teria ficado parado, sem saber o que fazer quando a viu.
  • Pouco tempo depois, admitiu que manteve uma relação sexual com a mulher, mas disse que ela teria se lançado em sua direção dentro do banheiro para fazer sexo oral. O brasileiro alegou que ele não tinha dado essa versão até aquele momento com o intuito de “proteger” a vítima.
  • Em seu depoimento mais recente, o lateral acabou confirmando que houve penetração enquanto eles estavam no banheiro, mas alega que a relação foi consensual. Desta vez, Daniel Alves afirmou que não teria dado essa versão anteriormente para proteger a vítima e a sua então esposa, Joana Sanz.
Os indícios da Polícia Espanhola
  • A jovem foi atendida no Hospital Clínic e passou por um exame médico. O relatório diz que ela sofreu ferimentos leves compatíveis com a "luta" que teria travado com o jogador de futebol para não se sujeitar ao ato sexual.
  • A ficha médica indicou que dentre as lesões encontradas está uma pequena equimose no joelho. Trata-se de uma mancha roxa causada por um sangramento em que ocorre a infiltração do sangue na pele.
  • As câmeras de segurança confirmam a versão da vítima até o momento em que entraram no banheiro, onde passaram aproximadamente 15 minutos. Além disso, as imagens mostraram a vítima em situação de fragilidade após deixar o banheiro.
  • O resultado de um teste de DNA comprovou a presença de sêmen do atleta na roupa da vítima, além de impressões digitais no banheiro da boate.
A prisão
  • Daniel Alves foi preso logo após seu depoimento à Polícia Espanhola. O brasileiro, que estava no México, onde já tinha iniciado a temporada de 2023 no Pumas, retornou espontaneamente à capital da Catalunha para depor pela primeira vez.
  • Após a prisão, Leopoldo Silva, presidente do Pumas, clube mexicano até então defendido pelo jogador, realizou um pronunciamento oficializando a demissão.
  • Em paralelo, o Ministério Publico fez um pedido de prisão preventiva sem direito à fiança, o que foi aceito pela Justiça.
  • O jogador foi encaminhado ao presídio Brians I e, posteriormente, transferido para o Brians II. Ambos nos arredores de Barcelona.
  • A prisão do lateral foi mantida pela Justiça, devido à "alta possibilidade de fuga".
  • Apesar de bom comportamento, o atleta já recebeu duas advertências na unidade. A primeira por organizar um campeonato de futebol e a segunda por fazer uma 'batucada' na cela onde está detido.

Fonte: O GLOBO