Número 2 da PGR também abriu mão do posto

A troca de comando na Procuradoria-Geral da República (PGR), com a posse do subprocurador Paulo Gonet na manhã desta segunda-feira (18) em Brasília, já começou a provocar uma dança das cadeiras em postos estratégicos no Ministério Público Federal (MPF), com impactos nas investigações sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos, o subprocurador Carlos Frederico Santos entregou o cargo na última sexta-feira (15) à procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos.

Atual número 2 da PGR, a vice-procuradora Ana Borges Coêlho também colocou o cargo à disposição. Gonet já escolheu o substituto dela: Hindemburgo Chateaubriand, amigo pessoal do novo chefe da PGR.

Os dois, que estão casados há 34 anos, deixam suas funções a partir desta segunda-feira. Gonet já começou a formar sua equipe, mas ainda não anunciou quem ocupará esses postos-chave.

Na PGR, as saídas de Carlos Frederico e de Ana Borges foram interpretadas como uma forma de deixar o campo livre para Gonet montar a sua equipe sem constrangimentos.

Mas também são vistas como um sinal de que as pessoas-chave das equipes de Aras e agora de Elizeta não pretendem avalizar o discurso de alinhamento do novo chefe do MPF com o Supremo – e com seus padrinhos Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

Essa proximidade, aliás, tem levado uma ala dos subprocuradores a manifestar em conversas reservadas a preocupação com a possibilidade de que Gonet não seja enfático na defesa do MP. “O Lula entregou a chave da PGR para o Gilmar e o Moraes”, diz um dos mais ácidos integrantes da PGR, ouvido reservadamente pela equipe da coluna.

Tanto Santos como Ana Borges bateram de frente com Moraes recentemente na condução de duas investigações – a que envolve a delação de Mauro Cid e a que apura as agressões ao ministro no aeroporto de Roma.

Santos inclusive chegou a classificar como “fraco” o acordo de colaboração premiada fechado por Cid com a Polícia Federal. Na ocasião, ele disse que seria preciso haver provas mais robustas para confirmar as acusações do ex-ajudante de ordens.

“Havendo essa delação do Mauro Cid, e o Ministério Público não participou (das tratativas do acordo), tudo bem, não vou jogar provas fora e dizer que a prova não presta. Vou tentar fazer com que essa prova fique forte. Esse é o nosso objetivo. Agora não posso garantir – estou tentando”, disse Carlos Frederico à equipe da coluna em novembro, negando que existisse uma disputa de poder entre o MPF e a Polícia Federal.

As críticas desagradaram não apenas a PF como o próprio Moraes, que homologou o acordo.

Santos passou a coordenar o Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos na gestão Augusto Aras e assumiu os processos relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro, que já levaram à condenação de 30 pessoas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não está claro se Gonet vai manter o grupo.

Ele era o representante da PGR também nos inquéritos envolvendo Bolsonaro, como o que apura o desvio das joias sauditas e a fraude na carteira de vacinação contra Covid-19.

Já Ana Borges desagradou Moraes ao cobrar o ministro Dias Toffoli acesso à íntegra do vídeo com as cenas da briga de uma família com o ministro Alexandre de Moraes no aeroporto internacional de Roma, e fazer uma cópia da gravação.

O caso, que é investigado no STF, ganhou contornos nebulosos depois que o relatório da PF com a análise das imagens de câmeras de segurança do aeroporto de Roma afirmou, de forma inconclusiva, que Mantovani Filho cometeu “aparente agressão física” contra o filho de Moraes.

Ainda assim, Toffoli não permitiu que o MP fizesse cópia das imagens ou perícia - o que foi contestado formalmente pela 02 da PGR.

A subprocuradora também contestou a inclusão do próprio Moraes como assistente de acusação no inquérito – o que, na prática, permite ao ministro do STF sugerir a obtenção de provas e até realizar perguntas para as testemunhas. Para Ana Borges e Elizeta Ramos, trata-se de um "privilégio incompatível com o princípio republicano".

Uma das desconfianças de quem acompanha de perto as investigações é a de que Moraes pretende interferir no inquérito e tentar forçar a apresentação de denúncia contra os envolvidos na briga.

Ana Borges deixa também o cargo de suplente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Ela costuma divergir de Gonet na seara de costumes – enquanto ela defende o "desmonte" do sistema patriarcal, ele é um fervoroso crítico do aborto.

A forma como Gonet vai preencher os dois cargos dará a noção do rumo que a PGR vai tomar — se mais alinhada ou subordinada ao Supremo. A sua sabatina no Senado trouxe mais dúvidas do que certezas.


Fonte: O GLOBO