Dirigente não perdeu sua posição por causa de uma decisão judicial isolada e sim porque fez muitos inimigos

Quem só presta atenção na bola, em seu rolar para frente e para trás, não entende o jogo. É preciso saber quem são os jogadores, como eles se posicionam, quais jogadas estão tramando. Vale para o futebol literal e metaforicamente para a disputa pelo poder sobre o futebol. E, hoje, só consegue entender o que se passa na CBF quem ergue a cabeça e enxerga a disputa como um todo.

Ednaldo Rodrigues acaba de ser destituído da presidência da confederação. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anulou a validade do acordo que havia sido feito entre Ministério Público e CBF, que determinava as regras eleitorais da entidade. Como as regras foram desfeitas, a eleição perdeu legitimidade — blá, blá, blá. Quem está de olho na bola já compreendeu esta parte da história.

Assim como Dilma Rousseff não sofreu impeachment da Presidência da República por causa das pedaladas fiscais, e sim porque perdeu o apoio político do centrão e sofria tremenda rejeição do público, Ednaldo não perdeu sua posição na CBF por causa de uma decisão judicial isolada. O acordo com o MP é uma espécie de pedalada fiscal neste contexto. Ednaldo caiu porque fez muitos inimigos.

Ednaldo demitiu toda a diretoria da CBF e trocou gente que estava lá fazia muito tempo por indicados dele. Ednaldo agiu pessoalmente para entregar à Brax contratos comerciais que pertenciam a agências de marketing esportivo consolidadas, como Klefer e Livemode. Ednaldo brigou com políticos influentes em Brasília, aqueles que compõem a bancada da bola. Ednaldo irritou Marco Polo Del Nero e Ricardo Teixeira — que, em áudio vazado, criticou o cartola e o reduziu a um “nada”.

Quando se toma a decisão de confrontar tanta gente ao mesmo tempo, certos requisitos são necessários. O trabalho deveria estar impecável, por exemplo, e não está. A seleção joga mal, graças à opção por um treinador interino e com dois empregos. A organização da partida contra a Argentina foi um espetáculo de horror, com briga na arquibancada e gente ensanguentada.

A CBF, que nunca teve problemas com patrocinadores, recebeu dias atrás carta conjunta de Itaú, Vivo e Mastercard se queixando da má gestão. Clubes das Séries A e B foram prejudicados por lambanças em contratos de transmissão e patrocínios — sempre que a entidade está no meio. Fora as tentativas da confederação, via governo, de botar a mão no dinheiro das apostas, que deve ir para os clubes.

Outro requisito importante para quem quer dominar o futebol é a composição com aliados. Ednaldo criou um círculo de poder que tem três figuras: Pedro Trengrouse, Ricardo Lima e Rodrigo Paiva. Trengrouse é advogado desportivo e cuida do jurídico e do lobby. Lima é presidente da federação baiana, além de concunhado de Ednaldo, e faz a interface com federações estaduais. Paiva é assessor, responsável por lidar com a imprensa, distribuir notícias e direcionar narrativas.

Esses aliados hoje se desdobram para viabilizar nova eleição do presidente destituído. Para cativar o público, a estratégia é fazer parecer que Ancelotti só treinaria a seleção com Ednaldo. Para defender Ednaldo de acusações de ordem moral, a CBF afirma que documentos foram roubados e adulterados por hackers. E, para endireitar as relações com outros dirigentes, a moeda é sempre o dinheiro. Antecipações de verbas, pagamentos de despesas e dívidas. Tudo para voltar ao poder. Voltarão?


Fonte: O GLOBO