Na decisão, tricolor é capaz de se apegar a algo além da improbabilidade do futebol ou do momento instável do time de Guardiola

Analisar a atuação do Fluminense na semifinal do Mundial de Clubes impõe levar em conta o que é o futebol de clubes atual. Há alguns anos, o melhor time sul-americano está muito mais próximo dos campeões de outros continentes do que do campeão europeu. Foi a este ponto que a globalização nos conduziu, ao transformar as periferias do jogo em exportadores de jogadores para os quatro ou cinco principais campeonatos do Velho Continente.

Então, esperar uma vitória confortável, com ampla imposição, é a receita para a frustração. Nas dez edições do Mundial anteriores à estreia tricolor, os sul-americanos haviam perdido sua semifinal cinco vezes, vencido três vezes por diferença mínima e conseguido só dois triunfos por dois gols de diferença. Justamente o que o Fluminense obteve. Ainda que o 2 a 0 não conte o que foi a partida, ao menos até os 15 minutos finais, estes amplamente dominados pelo tricolor.

Aliás, o Fluminense x Al Ahly foi justamente o que um confronto de Mundial de Clubes deveria ser. Dois times apresentando suas armas, seus estilos, e a partida apresentando incertezas. Este encontro de campeões continentais deveria reunir forças minimamente comparáveis, mas o abismo financeiro deu aos não europeus o papel de desafiantes. Especula-se não sobre quem irá vencer os confrontos com os gigantes, mas qual será o poder de resistência. Não é saudável.

Ocorre que é possível reconhecer esse contexto e, ainda assim, entender que o Fluminense não fez uma grande partida. No fim, a balança da qualidade individual e a influência dos dois maiores talentos em campo decidiram. A grande inversão de bola de Ganso permitiu a Marcelo bater seu marcador para conseguir um pênalti. Até o gol de Arias, e por alguns minutos em seguida, o cenário assustava.

Claro que pesou o aspecto emocional, mas a maior posse de bola dos egípcios no início da partida deixava o Fluminense desconfortável. Arias chutou duas bolas contra a trave de El Shenawy, é fato, mas ainda assim o time africano era melhor. E seguiria melhor quando o tricolor passou a ter mais posse e a se posicionar no campo ofensivo. Porque o fazia com imensa dificuldade de conter os contragolpes. Era pego exposto, especialmente no lado esquerdo de sua defesa.

E no segundo tempo, mesmo quando fez o jogo acontecer no campo ofensivo, quando deu à partida uma cara mais parecida com a sua identidade, o time seguiu cedendo as situações mais claras ao Al Ahly. Fábio ainda trabalhou após o primeiro gol, e o jogo só passou a ser controlado após as substituições.

Assumir um certo nível de desequilíbrio entre ataque e defesa parece estar embutido no modelo de jogo tricolor. Um risco calculado, que a qualidade do time com bola disfarçou na maior parte da temporada. Na semifinal, o Fluminense sofreu mais. Mas é curioso como o futebol não tem receita pronta. 

É possível dizer que a formação com sete jogadores acima de 33 anos nem sempre ajuda o time a competir, duelar em disputas físicas ou em jogos menos controlados: os egípcios usaram e abusaram das transições velozes, acelerando ao máximo. Por outro lado, o talento de dois destes “veteranos” construiu o primeiro gol.

Caso a final com o favorito City se confirme, o Fluminense poderá se apegar a algo além da improbabilidade do futebol ou do momento instável do time de Guardiola. O tricolor foi bem contra o Al Ahly sempre que deu ao jogo a sua cara, aplicou seu jeito bem peculiar de jogar. 

Não será fácil impor seu estilo na sexta-feira. Se o fizer, pode até não vencer, o que será normal na ordem mundial do futebol moderno. No entanto, ao menos irá propor ao City desafios menos habituais. O sonho tricolor vive, ao menos por mais três dias.


Fonte: O GLOBO