Lula iniciou o terceiro mandato com 11 mulheres no primeiro escalão, mas duas delas já foram demitidas

A procura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva por um nome para substituir Flávio Dino no Ministério da Justiça evidencia outro flanco pelo qual o governo tem sido cobrado neste primeiro ano de gestão: a falta de representatividade feminina. 

Levantamento do GLOBO mostra que, assim como a pasta que ficará com a cadeira vaga a partir da ida de Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF), outras 14 nunca tiveram uma mulher à frente desde a redemocratização. 

O número representa 39% da atual configuração da Esplanada, com 38 ministérios. Desde a posse de José Sarney, marcando o fim da ditadura, passaram-se 38 anos, dos quais 14 com o PT na Presidência, seja com Lula ou Dilma Rousseff.

O ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski é o mais cotado para a sucessão de Dino, que ficará no cargo até 8 de janeiro, quando vai ocorrer um ato em defesa da democracia marcando o aniversário de um ano dos ataques golpistas. 

A previsão é de que uma conversa entre Lula e o magistrado aposentado aconteça após a data. A ministra Simone Tebet (Planejamento) e a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) também surgiram na disputa, mas, segundo integrantes do Palácio do Planalto, hoje estão mais distantes da corrida.

Tebet indicou a interlocutores que teria preferência por assumir uma estrutura só com a Justiça, mas o governo descarta agora desmembrar a Segurança Pública e criar o 39º ministério. Já Gleisi teve uma conversa com Lula e indicou que, por ora, prefere seguir na presidência do PT, cargo do qual precisaria se afastar caso fosse nomeada para o primeiro escalão.

Os ministérios da Defesa, responsável pela relação com militares, e das Relações Exteriores, voltado para a política externa, são alguns dos exemplos de cadeiras de prestígio na Esplanada jamais ocupadas por mulheres. 

Além disso, nesta gestão, todos os ministros que despacham no Palácio do Planalto são homens: Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Pimenta (Comunicação Social), Marcos Amaro (Gabinete de Segurança Institucional), Rui Costa (Casa Civil) e Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) — GSI e Secretaria-Geral sempre foram ocupados por homens. 

Nem todas as pastas existiram ininterruptamente em todo o período democrático, e há uma recém-criada, a do Empreendedorismo e Microempresa, cujo titular é Márcio França.

Lula iniciou o terceiro mandato com 11 mulheres no primeiro escalão, ultrapassando o recorde de Dilma, que chegou a ter oito ministras. Duas delas, no entanto, já foram demitidas pelo petista em um arranjo político para acomodar o Centrão. Daniela Carneiro deixou o Turismo em junho e deu lugar a Celso Sabino, também do União Brasil. 

Em 15 de dezembro, após o Congresso derrubar o veto presidencial ao marco temporal para a demarcação de terras indígenas, a ex-ministra ironizou a negociação que provocou sua saída: "Quando ministra, eu era a desculpa para o União Brasil não votar com o governo. Agora, a culpa é de quem?".

Três meses depois, foi a vez de Ana Moser ser rifada do Esporte para dar lugar a André Fufuca, do PP. Além disso, o comando da Caixa Econômica Federal foi entregue a Carlos Vieira, próximo ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ao se despedir do cargo, Rita Serrano publicou uma mensagem em que afirma que espera deixar como "legado a mensagem de que é preciso enfrentar a misoginia".

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, ressalta que o governo de Lula começou com o maior número de ministras na história da democracia. Segundo ela, as demissões de mulheres para darem lugares a homens no governo Lula se deve à escolhas de partidos da base aliada.

— Mas é justamente na troca de nomes nas pastas que os partidos indicam homens para a substituição. É necessário que as mulheres sejam elencadas pelos partidos como opções aos cargos porque vem deles a indicação. Temos insistido que as mulheres não devem aparecer apenas para chancelar uma possível representatividade, precisa ser mais do que isso — disse a ministra ao GLOBO.

Em entrevista ao GLOBO em novembro, a primeira-dana Rosângela da Silva, a Janja, defendeu que o aumento do espaço precisa vir a partir da ocupação de cadeiras no Parlamento:

— É necessário discutir a participação feminina no Congresso. O Brasil está em penúltimo lugar na América Latina e no Caribe em número de mulheres no Parlamento. Isso é vergonhoso. Precisamos ter 50% de cadeiras. A cota de 30% (de candidaturas) não está adiantando. As agressões que as mulheres sofrem, nas redes sociais e pessoalmente, têm feito muitas desistirem de seguir na política.

A reserva de metade das vagas no Congresso para mulheres também é defendida pela deputada federal Laura Carneiro (PSD-RJ). Ela ressalta a importância da lei de cotas, que estabeleceu um patamar mínimo de 30% das candidaturas para mulheres, mas diz ser preciso avançar no quesito. Já a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), integrante da base, reconhece que há déficit de representação e pondera que a governabilidade foi fator preponderante para as trocas que ocorreram:

— O presidente Lula montou um time de mulheres de altíssimo nível no primeiro escalão. São fortes, competentes em suas áreas de atuação e, juntas, lançam um olhar diferenciado para a gestão atual. É claro que gostaríamos de uma maior participação feminina no governo federal, mas os arranjos político-partidários acabam se sobrepondo na tomada de decisão para essa composição.

A senadora Leila Barros (PSB-DF) avalia que é preciso identificar e incentivar "candidatas que se mostrem realmente vocacionadas para a atividade". Líder da bancada feminina no Senado, Daniella Ribeiro (PSD-PB) acrescenta que a lacuna de representação provoca outro problema: a pouca atenção dada a políticas públicas voltadas para as mulheres.

— Com certeza, a baixa representatividade feminina na Esplanada dos Ministérios faz com que questões femininas sejam menos compreendidas na elaboração das políticas públicas. Creche, por exemplo, há anos é considerada como pauta feminina, quando na verdade envolve a família inteira. Precisamos que, além da representatividade feminina nos postos de comando, os homens que ali estão, fiquem mais atentos e sensíveis às nossas necessidades.

Déficit histórico

Antes do terceiro mandato de Lula, o presidente Jair Bolsonaro contou com apenas quatro ministras: a senadora Tereza Cristina (PP-MS) à frente da Agricultura; Flávia Arruda na Secretaria de Governo; e a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e Cristiane Britto na pasta da Mulher, Família e dos Direitos Humanos.

A nomeação de 11 ministras no início de 2023 representou um avanço também em relação aos governos anteriores de Lula, quando foram apenas 6 mulheres à frente de ministérios durante dois mandatos. O governo de José Sarney foi o que teve o pior desempenho nesta questão, quando apenas Dorothéa Werneck atuou como ministra da Trabalho — ela também foi ministra da Indústria e Comércio de Fernando Henrique Cardoso

Durante seu governo, Michel Temer foi criticado por nomear uma Esplanada praticamente apenas com homens, contando apenas Luislinda Valois, à frente do Ministério dos Direitos Humanos, e Grace Mendonça no comando da AGU. Esta baixa representatividade marcou um grande contraste com a gestão anterior, da ex-presidente Dilma Rousseff, que assumiu a Presidência em 2011 com 9 ministras. 

Dilma levou para Esplanada nomes como de Ideli Salvatti, ex-ministra da Pesca e Aquicultura, das Relações Institucionais e dos Direitos Humanos, e da presidente nacional do PT, a deputada federal Gleisi Hoffman (PT-RS), que foi ministra-chefe da Casa Civil entre 2011 e 2014.

Em seus 8 anos como presidente, Fernando Henrique Cardoso nomeou apenas quatro lideranças femininas para o comando de ministérios. A mulher com maior destaque no governo de FHC foi a ministra da Administração Federal e Reforma do Estado, Cláudia Costin, que contava com o prestígio do ex-presidente. 

Fernando Collor também não elencou muitas mulheres para o seu time de ministros, apenas duas. No entanto, teve Zélia Cardoso de Mello, mentora do Plano Collor, como um nome de confiança à frente do Ministério da Fazenda.

Partidos não apoiam

Para a cientista política Flávia Biroli, da UnB, o quadro nasce da falta de apoio dos partidos às lideranças femininas na política:

— O controle masculino sobre a política tem como uma das suas facetas, historicamente, o fato de que os homens controlam o ator institucional mais importante da política representativa, que é o partido político. A maior parte do tempo é preciso haver uma decisão política de construir ministérios mais paritários. Isso não acontece porque as indicações de partidos, no automático, costumam ser de homens.

Já a cientista política Marjorie Marona, da UFMG, acrescenta que o pequeno número de mulheres em cargos de comando é um problema estrutural e não deste governo em específico. Segundo a pesquisadora, a conjuntura política em que Lula assumiu a Presidência também condiciona o mandatário a tomar decisões que não vão de encontro com seus discursos políticos.

— Lula assume após o governo Bolsonaro ter ferido de morte o presidencialismo de coalizão. Isso significa que a dinâmica política que organizava o governo está agonizando, e o presidente precisa encontrar novas estratégias para manter o funcionamento do governo em um cenário mais instável e muito mais difícil para ele. 

Em conjunturas assim as escolhas costumam ser canônicas, o que pode ser uma explicação para a dificuldade de Lula de privilegiar a representação feminina (e racial e étnica) de um modo mais condizente com a sua própria trajetória.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves faz um balanço positivo da participação de mulheres no governo Lula até agora. Para a ministra, as mulheres conquistaram avanços significativos neste ano, mas ainda há um grande caminho a ser percorrido para alcançar a igualdade entre gêneros.

— Eu acredito que a criação do ministério das Mulheres, a atuação das ministras de Estado e outras companheiras nas demais áreas do governo, em especial a Janja Lula da Silva são um avanço significativo. Em 2024, é fundamental ampliarmos consideravelmente o número de mulheres eleitas, fazendo ecoar as vozes neste governo, estados e municípios.

Pastas que sempre foram chefiadas por homens
  • Justiça e Segurança Pública
  • Defesa
  • Relações Exteriores
  • Trabalho
  • Comunicações
  • Secretaria-Geral da Presidência da República
  • Previdência Social
  • Transportes
  • Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
  • Integração
  • Portos e Aeroportos
  • Controladoria-Geral da União
  • Desenvolvimento Agrário
  • Educação
  • Empreendedorismo, Microempresa e Empresa de Pequeno Porte

Fonte: O GLOBO