Polícia Federal apura suspeitas de omissão de informações na mineração e uso de dados falsos na mineração de sal-gema da empresa
A Polícia Federal deflagrou a Operação Lágrimas de Sal para investigar possíveis crimes cometidos pela empresa Braskem na exploração de uma mina de sal-gema que causou o afundamento de bairros em Maceió (AL). O rompimento de parte da mina 18 de sal-gema da Braskem estava no radar desde os anos 1980, quando pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) já alertavam para os riscos ocasionados pela mineração realizada pela empresa.
De acordo as investigações, foram apurados indícios de que as atividades de mineração desenvolvidas no local — entre 1976 e 2019 — não seguiram os parâmetros de segurança previstos na literatura científica e nos respectivos planos de lavra, que visavam garantir a estabilidade das minas e a segurança da população que residia na superfície. As primeiras pesquisas científicas que comprovaram a possibilidade de uma catástrofe foram publicadas em 2010.
Entenda o histórico problemático da operação:
Pesquisas realizadas pela UFAL alertavam para os riscos de afundamento do solo devido a um aumento do nível do lençol freático na região. Em 2011, outro estudo publicado na revista científica Engineering Geology previu que o afundamento poderia atingir até 1,5 metro em algumas áreas da cidade.
Entre os pesquisadores que denunciaram os riscos da localização de uma empresa de mineração numa área de restinga, está o professor José Geraldo Marques, que também é vítima da evacuação dos bairros atingidos. Assim como o professor Abel Galindo, atualmente aposentado do curso de Engenharia Civil da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A operação da Braskem em Maceió passou a enfrentar problemas a partir de fevereiro de 2018, quando a capital alagoana registrou fortes chuvas e um tremor de terra, sentido principalmente no bairro do Pinheiro. Após esse evento, já foram identificadas rachaduras em ruas e edificações. Ainda em junho de 2018, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) iniciou a investigação do caso.
Ainda em 2018, o desnivelamento começou a se tornar evidente. Em alguns bairros, rachaduras de 280 metros de extensão surgiram nas casas e nas ruas. A Braskem foi obrigada a interromper a mineração e a evacuar os moradores das áreas mais afetadas.
Desde 2019, mais de 14 mil imóveis precisaram ser desocupados na região, de acordo com a prefeitura, afetando cerca de 55 mil pessoas.
Mina sem fiscalização
Em relatório de situação apresentado pela Braskem à Agência Nacional de Mineração (ANM), a empresa afirmou que já não conseguia examinar a Mina 18 com sonares desde antes do dia 23 de novembro -- uma semana depois desta data, no dia 29, a mineradora passou a emitir alertas às autoridades sobre risco de "deslocamento abrupto" do solo.
No documento, a Braskem disse ter conseguido acessar a mina com sonar pela última vez no dia 4 de novembro, mas obteve acesso a apenas parte da cavidade. Com a intensificação de atividade sísmica na área, dois dias depois, a empresa suspendeu temporariamente o monitoramento com sonar. Ao tentar retomá-lo, "as equipes voltaram a campo, ocasião em que já não foi possível acessar a cavidade 18 através dos seus três poços para realização do exame de sonar".
O uso de sonares permitia à Braskem mensurar o volume total de cada uma das 35 minas de sal-gema que explorava em Maceió, além de acompanhar eventuais impactos de movimentação do solo. Com a impossibilidade de mapear a Mina 18 por dentro, a empresa passou a se basear em monitoramento por satélite e em sensores externos — especialmente um aparelho às margens da Mina 20, para medir a movimentação do solo e o ritmo de afundamento.
Extração irregular de areia
Para fechar minas, a Braskem utilizou areia para preencher os poços e conter o afundamento. Relatórios da Agência Nacional de Mineração (ANM) apontam que a mineradora levou quase dois anos para definir o fechamento da Mina 18 com o método usado em outros oito poços. A agência acompanhou desde 2020 o planejamento da mineradora para fechar as 35 cavidades que operavam às margens da Lagoa de Mundaú.
Em fevereiro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento para apurar indícios de extração irregular de areia por parte de duas empresas apontadas como fornecedores da Braskem: a Blocompacto e a Mandacaru Extração. No mês seguinte, uma operação do MPF junto à Polícia Federal e à ANM interditou os terrenos das duas empresas e suspendeu a extração.
O que é o sal-gema?
O sal-gema é matéria-prima versátil, usado na fabricação de cloro, soda cáustica, ácido clorídrico e bicarbonato de sódio e na composição de produtos farmacêuticos, nas indústrias de papel, celulose e vidro, e em produtos de higiene, como sabão, detergente e pasta de dente. É usado também no tratamento da água.
Infográficos: entenda como se deu o afundamento
Usado na indústria química na fabricação de PVC, o sal-gema é extraído do subsolo através de perfurações que podem atingir mais de mil metros, nível no qual o material pode ser encontrado. Escavados os buracos, são injetados neles água. Ao atingir o sal-gema, cria-se uma mistura, como um salmoura.
Como é a extração do sal gema — Foto: Arte O GLOBO
A pressão da água injetada força a salmoura a subir, possibilitando a extração do sal-gema na superfície. Após o sal ser extraído, os poços são preenchidos com uma solução líquida para manter a estabilidade do solo. A Braskem informou também ter preenchido parte de seus poços com areia.
Passo a passo da extração do sal gema — Foto: Arte O GLOBO
Estudos apontam que, no caso das minas de Maceió, a presença de falhas geológico podem ter levado ao vazamento do líquido e à despressurização dos poços, que começaram a ceder. Com isso, o solo perdeu estabilidade e se deu início ao processo de afundamento.
Passo a passo do extração do sal gema em Maceió — Foto: Arte O GLOBO
Fonte: O GLOBO
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