Treinador finalista do Mundial já demonstrava preocupação com vida dos atletas para além do futebol, incentivava jogadores a deixarem suas posições e dava broncas intensas

Antes do Dinizismo, havia a roda-gigante. O ano era 2009. O clube: Votoraty, da cidade de Votorantim (SP) e recém-comprado por um grupo de empresários. Para o comando do time, foi escolhido o ex-meia Fernando Diniz, ainda sem experiência no cargo. Aos 35 anos, chegava por indicação de Vagner Mancini, técnico campeão da Copa do Brasil quatro anos antes com o Paulista, de Jundiaí. Também já era conhecido do diretor de futebol Beto Rappa. Ambos viam nele potencial. O que logo ficou claro para todos ali, com a forma de atuar da equipe.

— Chamávamos o time de roda-gigante. O ponta ia para dentro. Eu, que era zagueiro, terminava pelo lado esquerdo recebendo a bola no corredor. E batia bem. Fui o artilheiro da equipe na A3 (terceira divisão do Paulista) — diz Beto Cavalcante, capitão do Votoraty na época. — A gente rodava mesmo. Às vezes, o zagueiro era atacante e o centroavante estava defendendo. E o goleiro jogava com os pés. Isso pegou.

O “pegou”, no caso, pode ser traduzido pelos títulos da Série A3 e da Copa Paulista na mesma temporada. O Votoraty subiu de divisão e conquistou vaga na Copa do Brasil de 2010.

Metas alcançadas com um trabalho que já se assemelhava — respeitadas as proporções — com o que hoje é visto no Fluminense. Assim como o finalista do Mundial de Clubes deste ano, em 2009 o time paulista conheceu a obsessão de Diniz pelos treinos, pela repetição de movimentos e pela ousadia em campo.

E também sua preocupação com as condições de trabalho. Se em Jedá, na Arábia Saudita, o técnico pediu à Fifa que deixasse a grama onde o Fluminense treina mais rente ao solo, 14 anos antes ele fez o Votoraty bancar o salário dos funcionários municipais responsáveis pelo gramado do Estádio Domênico Paolo Metidieri. A prefeitura atrasou os pagamentos, e ele temia que a manutenção do campo fosse paralisada.

Fernando Diniz e os jogadores do Votoraty na festa pelo título da Série A3 de São Paulo, em 2009 — Foto: Divulgação

O projeto dos empresários no Votoraty começou a duas semanas do fim das inscrições de atletas para a primeira rodada. Já não havia tantos nomes à disposição para a montagem do elenco e nem tempo para avaliar as opções com calma. Diniz dizia querer bons jogadores. Não importava as condições em que chegariam.

A concessão foi levada ao pé da letra. Foram contratados alguns atletas que estavam sem clube e cujo registro na federação já era de amador. Assim como outros acima do peso.

— O João Paulo, zagueiro, chegou tão pesado que fui até eles perguntar quem era aquele cara dizendo ser jogador. Eles confirmaram e eu comentei: “Vocês só podem estar de brincadeira” — lembra, aos risos, Mauricinho, ex-jogador do Vasco e presidente do Votoraty na época.

Fernando Diniz posa com elenco, diretoria e demais membros da comissão do Votoraty diante da taça da Copa Paulista 2009 — Foto: Divulgação

Entre dirigentes e jogadores, aquele Votoraty ganhou o apelido de clínica de recuperação do Diniz. Não de forma pejorativa. É que todos presenciaram o trabalho de resgate promovido pelo treinador.

— Ali a gente teve vários casos de atletas que estavam meio desanimados na carreira, e até que já estavam caminhando para um lado errado — recorda-se Rafael Serrano, lateral-esquerdo da equipe. — O João Paulo chegou com uns 20kg a mais e acabou sendo um dos principais jogadores. O Juliano (goleiro) também tinha questão extracampo. E o Diniz conseguiu trazer todo mundo para o mesmo objetivo. Mostrar a eles que ainda tinham muito chão pela frente e que o futebol era só uma passagem na vida do atleta.

Nesta época, Diniz ainda corria atrás do diploma de psicologia. Ele conciliava a rotina de treinos e jogos com as 2h30 de viagem entre Votorantim e São Paulo, onde cursava a faculdade. Formou-se em 2012.

— O Diniz passou muito tempo recusando propostas por causa da faculdade. Dizia que se largasse os estudos naquela época não terminaria mais. A gente até brincava que era a faculdade mais cara do mundo, porque ele deixava de ir para clubes que pagavam muito mais — conta Beto Rappa, hoje empresário de jogadores e que manteve forte ligação com o técnico mesmo após sua saída do Votoraty, em maio de 2010.

Não foi planejado. Mas na concentração para o jogo com o Oswaldo Cruz, pela Série A3, o que era para ser uma reunião em que cada um se apresentava virou uma dinâmica de grupo na qual todos expuseram suas histórias e se emocionaram. Só que seus famosos “esporros” também já eram dados.

— O Diniz preza muito pelo atleta. Já presenciei discussão dura em que ele e um jogador se chamavam de cuzão. Mas ele fez o cara entender. Disse: “Não vou deixar você prejudicar o time. Mas estou preocupado com sua carreira. Sua família depende dela” — revela Beto Cavalcante. — A gente falava: “Não é possível que vai falar desse jeito num time grande. Os jogadores vão derrubá-lo” (risos). Mas quem trabalha com ele e convive no dia a dia vai entender. Acaba virando família.

Esta família não tem dúvidas de para quem irá torcer no duelo entre Fluminense e Manchester City, na sexta. Mas, independentemente do resultado, o troféu mais valorizado por Diniz não é o que pode ser conquistado em Jedá. Ele o levanta em cada clube pelo qual passa.

—O Diniz dizia que eu seria bem-sucedido depois que parasse de jogar. Eu ficava puto. Queria isso na hora. Meu sonho era sair do Votoraty e ir para um Palmeiras, um Corinthians. Hoje tenho academia de beach tennis e uma marca de roupas. Tenho certeza que ele já enxergava isso para a minha vida — reflete Serrano. — Tem pessoas que ajudam a gente a crescer. E o Diniz é uma delas.


Fonte: O GLOBO