Furacões no deserto, dilúvios e longas ondas de calor de mais de 40ºC assolaram o planeta

Este foi o ano em que as mudanças climáticas transformaram o tempo. Tanto o tempo verbal quanto o meteorológico. Em 2023, elas deixaram de ser futuro e se tornaram presente. Este foi um ano de eventos extremos, agravados por um El Niño intenso, que levou o clima do planeta ao que a Organização Meteorológica Mundial (OMM) chamou, em julho, de mergulho em “território desconhecido”. 

Um território que se revelou repleto de ondas de calor, tempestades, inundações, incêndios, secas, nevascas, ciclones, furacões e tornados. O ano termina com as maiores anomalias e sucessão de extremos climáticos já testemunhadas pela Humanidade. E, segundo a OMM, é só o primeiro ano de uma nova era de extremos das mudanças climáticas.

Guardas florestaiss tiram foto ao lado do termomêtro do Parque Nacional do Vale da Morte, no Vale da Morte, Califórnia, nos EUA — Foto: Arte O GLOBO/ Ronda Churchill - AFP

O ano mais quente da História

O registro oficial ainda não saiu, mas é dado como certo que 2023 é o ano mais quente registrado. A média da temperatura global deve ficar 1,4ºC acima da do período pré-industrial. É a maior elevação desde o início dos registros, em 1850. E 2023 veio na esteira de nove anos seguidos de tendência de elevação.

A indústria pesqueira das costas peruana e chilena sofre com os efeitos do El Niño. — Foto: Arte O GLOBO/Ernesto Benevides - AFP

Os oceanos fervem

O El Niño é um fenômeno natural causado pela elevação da temperatura do Oceano Pacífico Equatorial. Em 2023, formou-se um El Niño intenso. Mas não é apenas o Pacífico que está mais quente. Todos os oceanos estão acima da média, com destaque para o Atlântico Norte, cerca de 2ºC acima da média histórica. 

Como os oceanos aquecidos liberam mais calor em forma de vapor para a atmosfera, houve combustível de sobra para anomalias, como ciclones (de todos os tipos) fora de época ou de evolução super-rápida. Em julho, a temperatura superou 38ºC na costa da Flórida, marca que se julgava impossível. Em setembro, o Atlântico Norte gerou o dobro do número de ciclones que o Pacífico, mesmo estando este com El Niño. O Pacífico somou 37 ciclones contra 74 do Atlântico Norte.

Maior iceberg do mundo que se soltou da Antártica tem quase um trilhão de toneladas. — Foto: Arte O GLOBO/ T.Gossman / M.Gascoyne

Derretimento na Antártica

Em fevereiro, as plataformas de gelo sobre o mar na Antártica chegaram ao menor nível desde que as medições começaram, em 1979, informou a OMM. Junho teve a menor extensão de gelo e a cobertura máxima, esperada para setembro, foi a menor observada. O fenômeno influencia correntes marinhas, o clima e causou mortalidade em massa de pinguins-imperadores, que dependem do gelo marinho para procriar.

Homem carrega galão de água em Phoenix, no Arizona, em meio ao calor escaldante — Foto: Arte O GLOBO/AFP

55 dias no Inferno

Em 2023, o mundo inteiro se tornou uma bolha quente, assolado por ondas de calor. Mas nenhuma cidade foi mais simbólica do que Phoenix, no Arizona, que fez jus ao nome que alude à ave mítica e quase entrou em autocombustão e precisou ressurgir das cinzas. 

Entre junho e julho (verão no Hemisfério Norte), Phoenix registrou 55 dias de temperaturas iguais ou superiores a 43ºC, sendo que 31 deles seguidos, de 30 de junho a 30 de julho. A temperatura do asfalto chegou a 82ºC e pessoas que caíram no chão chegaram a sofrer queimaduras. Meteorologistas disseram que o calor de Phoenix seria impossível sem o aquecimento global.

Equipe médica socorre visitante do sítio arqueológico da Acrópole, em Atenas, na Grécia — Foto: Arte O GLOBO/ Aris Messinis - AFP

O Diabo à solta

As ondas de calor foram os principais extremos de 2023. Phoenix se destacou, mas milhões de pessoas foram atingidas em todo o mundo. As ondas mais intensas aconteceram no Hemisfério Norte. Julho, auge do verão setentrional, foi o mês mais quente do ano. 

Na China, o termômetro alcançou 52,2ºC. E Pequim teve 27 dias consecutivos acima de 35ºC, o que levou à proibição de trabalho ao ar livre durante esse período. Na Europa, Espanha, Grécia e Itália tiveram recordes nacionais batidos, com temperaturas superiores a 45ºC. 

A Itália sofreu mais, e cidades da Sardenha registraram 48,2ºC em 24 de julho. Ondas de calor continuaram até setembro, atingindo França, Suíça e Reino Unido. Na França, as temperaturas passaram de 42ºC em cidades como Toulouse.

Homem caminho por escombros de edifícios causados por inundações repentinas em Derna, leste da Líbia — Foto: Arte O GLOBO/afp

Dilúvio no deserto

O ciclone Daniel nasceu no Mar Mediterrâneo e atingiu em cheio Grécia, Bulgária e Turquia em 5 de setembro, com inundações e tornados. Zagora Pelion, na Grécia, recebeu 759 mm de chuva em 24 horas, mais do que o recorde brasileiro, em Bertioga (SP), também neste ano. Plantações foram sepultadas por lama. 

Mas, quando se achava que se enfraqueceria, Daniel voltou para o mar, atravessou o Mediterrâneo com potência redobrada e, em 10 de setembro, atingiu a Líbia. Causou um dilúvio no deserto. As chuvas romperam duas barragens e destruíram a cidade de Derna. A passagem de Daniel matou 4.345 pessoas e deixou outras 8.500 desaparecidas.

Pessoas atravessam escombros na África. Centenas de mortes foram provocadas pelo ciclone Freddy, no Malawi e em Moçambique — Foto: Arte O GLOBO/ Amos Gumulira - AFP

Monstro incansável

Freddy chamou a atenção pela duração, a intensidade e a distância percorrida. Ele foi um ciclone tropical (denominação de furacões no Índico) que se formou em 6 de fevereiro na Austrália e só desapareceu em 11 de março, em Moçambique, depois de causar devastação em Madagascar, Zimbábue e no Malawi. Percorreu 8 mil quilômetros. Ele teve ventos de até 270 km/h e matou 1.434 pessoas.

Vista dos danos causados ​​​​após a passagem do furacão Otis, em Acapulco, estado de Guerrero, México — Foto: Arte O GLOBO/ Francisco Robles - AFP

A destruição do paraíso

A velocidade com que Otis passou de uma tempestade fraca para um furacão de categoria 5 (ventos acima de 270 km/h), a mais forte, impressionou meteorologistas. Em apenas 24 horas ele virou um monstro que arrasou a cidade de Acapulco, no México, famosa por suas praias paradisíacas. Normalmente, esse processo pode levar mais de uma semana. 

Além disso, foi o primeiro furacão no leste do Pacífico a permanecer na categoria 5 após chegar ao continente. Essas tempestades perdem a força ao deixar o oceano, pois seu combustível é vapor d’água do mar aquecido. Cientistas disseram que foi a água a 31ºC em grandes profundidades que deu a Otis tamanho poder destrutivo. Ele matou mais de 50 pessoas e destruiu ou danificou com seriedade cerca da metade das edificações.

Carros presos em uma rua inundada após fortes chuvas causadas pelo tufão Haikui em Fuzhou, na província de Fujian, no sul da China — Foto: Arte O GLOBO/ AFP

Prejuízo bilionário

O tufão (nome dado a furacões na Ásia) Doksuri atingiu as Filipinas, o Vietnã, Taiwan e causou as piores enchentes da história recente da China entre 29 de julho e 4 de agosto. Foi a tempestade mais cara enfrentada pela China, com US$ 15,7 bilhões em prejuízos, e deixou mais de um 1 milhão de desabrigados em grandes cidades, como Pequim e Tianjin. Considerado um supertufão, teve ventos de 240 km/h.

Um jovem senta-se no muro desabado da Igreja de Deus em Cristo após a passagem de um tornado — Foto: Arte O GLOBO/ AFP

Enxames de tornados

O período de janeiro a março de 2023 registrou o maior número de tornados da História, todos nos Estados Unidos. Em apenas um dia, 31 de março, 150 tornados afetaram cidades do sul e do meio-oeste americanos. Tornados continuaram a atingir os EUA com severidade até junho.

Nos EUA, isitantes olham para Manhattan envolta em fumaça enquanto incêndios florestais encobriam o Canadá — Foto: Arte O GLOBO/AFP

O céu em chamas

Durante boa parte de junho, laranja foi a cor do céu na América do Norte. O tom veio das chamas da altura de prédios que consumiram as florestas do Canadá. O país enfrentou os maiores incêndios florestais de sua história, seis vezes maiores que a média. 

A fumaça chegou aos EUA e fez cidades como Nova York emitirem alertas de baixa qualidade do ar. Mais de 18,4 milhões de hectares queimaram até novembro, o equivalente a 5% das florestas canadenses, uma área quatro vezes maior que a do estado do Rio de Janeiro.

No Havaí, uma pedestre caminha pela Front Street, passando por edifícios destruídos após os incêndios florestais em Mauí — Foto: Arte O GLOBO/AFP

Terror no Havaí

O mais letal incêndio florestal do ano atingiu a ilha de Mauí, no Havaí. Conhecida como um paraíso para o turismo e o surfe, Mauí virou um inferno isolado no meio do Pacífico. Moradores e turistas precisaram se atirar ao mar para escapar do fogo. 

Uma seca prolongada e um forte calor associados aos ventos do furacão Dora criaram a situação perfeita para as chamas se espalharem pela ilha em questão de horas. A cidade histórica de Lahaina foi destruída. 

Quase 100 pessoas morreram, o maior número num incêndio florestal num estado americano em 100 anos. Até este ano, não se supunha que uma região tropical úmida como o Havaí estivesse sujeita a esse tipo de incêndio.

Pessoas enfrentam o frio intenso e a neve durante nevasca, na China — Foto: Arte O GLOBO/AFP

Frio de matar

O aquecimento global causa todo tipo de desequilíbrio na atmosfera, inclusive eventos de extremos de frio. Foi o que aconteceu em janeiro. Na Rússia, o termômetro chegou a letais -62,7ºC em 18 de janeiro. No nordeste da China, nevascas derrubaram o termômetro para -50,8ºC em Mohe em 22 de janeiro. A exposição a essas temperaturas, sem extrema proteção, pode matar uma pessoa em questão de minutos.


Fonte: O GLOBO