Situação se repete em pelo menos cinco estados. Cortes afirmam que rito segue a legislação, enquanto especialistas veem possíveis ilegalidades

Nomeados conselheiros de tribunais de Contas estaduais pelo Brasil, parentes de atuais ou ex-governadores têm atuado na relatoria de casos que interessam diretamente a esses políticos. O GLOBO identificou casos similares em Alagoas, Amapá, Maranhão, Pará e Roraima. Questionadas, as cortes afirmam que as escolhas dos conselheiros e suas atuações seguem a legislação. Especialistas, contudo, veem possíveis ilegalidades.

Desde 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) caracteriza como nepotismo a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente até terceiro grau ou por afinidade. Mas a legislação não tem efeito sobre os chamados cargos políticos, salvo em caso de idoneidade moral, brecha que acaba utilizada nas indicações. Ainda assim, algumas decisões judiciais chegaram a impedir a posse de conselheiros por entender que os tribunais de Contas não são cargos de “natureza política”.

— A função do TCE é justamente avaliar contas do governador. Como uma esposa vai julgar o marido? Ou o filho, o seu pai? Às vezes nem é parente, mas o conselheiro já foi filiado ao partido do governador e tem interesses em comum — questiona o advogado constitucionalista Rodrigo Lelis.

Em Roraima, Simone Soares de Souza, mulher do governador Antonio Denarium (PP), relatou as contas de 2020 do marido, aprovadas por unanimidade. No Maranhão, o sobrinho do governador Carlos Brandão (PSB), Daniel Brandão, chegou ao TCE neste ano. A Justiça estadual anulou a posse por erro de procedimento e nepotismo, mas o cargo foi retomado via liminar.

Brandão relatou ao menos dois processos envolvendo aliados do tio. Primeiro, julgou as contas do procurador-geral de Justiça Jorge Hiluy Nicolau, do promotor Luiz Gonzaga Martins e do ex-chefe do Ministério Público Eduardo Nicolau, indicados pelo governador. Em outra ação, arquivou denúncia sobre desvios em licitações contra o prefeito de Bacabal, Edvan Farias, que apoiou a eleição do governador.

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Especialista vê vedação

Procuradora municipal de Vitória e especialista em Direito do Estado, Wilma Chequer diz que, nesses casos, conselheiros deveriam alegar suspeição:

— Esses parentes teriam impedimento independentemente da questão jurídica ou moral que permanece ao redor da subjetividade da súmula do nepotismo. Vale o mesmo para aliados, caso seja comprovado que se trata de alguém muito próximo.

Na prática, isso não ocorre. No TCE do Amapá, Marília Goés, mulher de Waldez Goés (PDT) — ex-governador e hoje ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional —, julgou contas da ex-secretária estadual de Inclusão Social Albanize Colares, correligionária do marido. No Pará, a esposa do governador Helder Barbalho, Daniela Barbalho, autorizou a Secretaria de Educação a admitir funcionários.

Em alguns casos, o cenário só muda quando o conflito de interesses vem à tona. Neste mês, Renata Calheiros, mulher do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), solicitou redistribuição de um processo movido contra o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), um dia depois de uma reportagem do portal Antagonista mostrar que ela era relatora do caso — que trata de suspeitas sobre a compra de um hospital pela prefeitura. A representação havia sido aberta por vereadores de oposição, após o senador Renan Calheiros (MDB), sogro de Renata e adversário político do prefeito, cobrar publicamente uma investigação.

Os TCEs têm sete conselheiros. Quatro são definidos pela Assembleia Legislativa, e três pelo Executivo estadual. Entre os indicados do governador, só um é de livre escolha, enquanto os demais devem ser obrigatoriamente auditor e membro do Ministério Público. Todos são sabatinados e precisam receber o aval dos deputados.


Fonte: O GLOBO