País ficou atrás de México, Vietnã e Índia na corrida por ocupar espaço deixado por China após abalos em sua relação com os EUA. Mas matriz energética limpa pode mudar cenário

O Brasil saiu atrás na corrida para aproveitar as oportunidades geradas pelos processos de reacomodação das cadeias globais de produção. As relações mais conturbadas entre Estados Unidos e China e a guerra na Ucrânia fizeram com que práticas como o nearshoring e o friendshoring, que servem para definir a produção em locais mais próximos e em países aliados, ganhassem força.

Os eventos chamaram a atenção das empresas para a necessidade de cadeias mais curtas e resilientes e que levassem em conta não apenas os custos menores de produção, mas questões geopolíticas.

Quem tem se aproveitado, por diferentes razões, da realocação até o momento são países como México, Vietnã e Índia.

— Temos um setor industrial fechado, com algumas exceções, e um ambiente de negócios que não é favorável para transações. Operar no Brasil é mais custoso para as empresas em relação a maior parte dos países comparáveis, e essa situação se prolonga por muito tempo – destaca o ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do think tank Policy Center for the New South, Otaviano Canuto.

Apesar de ter saído atrás no sprint inicial, o Brasil ainda pode tentar se recuperar nessa corrida, segundo especialistas, principalmente por fatores como a matriz energética mais limpa.

Em um cenário onde as empresas precisam desenvolver cadeias de abastecimento mais sustentáveis, e à medida que as métricas ESG (sigla em inglês para definir boas práticas nas áreas ambiental, social, e de governança) desempenham um papel crescente nas decisões de investimento, o “greenshoring” pode ajudar o Brasil a ganhar posições.

— Isso pode no futuro, ser um diferencial, principalmente, quando houver mais exigências de transição energética. Quem produzir aqui usando energia renovável e barata vai ter mais competitividade. Mas não basta se instalar no Brasil pela questão ambiental, porém com um custo de logística e de mão de obra elevados. No final, o cálculo do custo de produção vai ser importante — afirma o consultor da BMJ e ex-secretário de comércio exterior, Welber Barral.

Na mesma linha, segue Canuto:

— Caso a gente consiga consolidar a imagem de país verde e demonstrar que não estamos desmatamento, há uma chance de nós virarmos ponto atrativo em atividades intensivas em energia verde, como hidrelétrica, eólias, solar, e energia associada ao hidrogênio verde




Velhos problemas




Além da produção de energia limpa, jogam a favor do Brasil, o mercado consumidor amplo e a ausência de conflitos geopolíticos. No entanto, problemas já conhecidos como o ambiente de negócios complexo e a baixa produtividade da indústria são obstáculos a serem superados nessa corrida.


— Melhoramos bastante, mas ainda há caminho pela frente. Se a gente tirasse complexidade do sistema, principalmente tributária e fiscal, poderíamos nos beneficiar muito — ressalta o sócio da consultoria da Roland Berger, Cristiano Doria.



Levantamento feito pela Roland Berger, com base em dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mostra que a atração de empresas para o Brasil por meio do nearshoring pode adicionar até US$ 78 bilhões anuais em exportações para a América Latina.
Usina de Itaipu: a energia hidroelétrica é um dos atrativos do Brasil para atrair indústrias de outros países — Foto: Luis Moura/WWP


Desse montante, o Brasil se beneficiaria com US$ 7,84 bilhões. O número é superior ao de vizinhos, como Argentina e Colômbia, mas bem abaixo dos US$ 35,2 bilhões anuais do México.


A aprovação da reforma tributária neste ano é considerada um avanço por sinalizar a simplificação do sistema. No entanto, há ainda um longo caminho para o texto ser aprovado e, principalmente, para que seus efeitos se reflitam na economia.


— O custo logístico no Brasil é alto pela falta de modais, pela pouca utilização de hidrovias e ferrovias. O custo e a insegurança tributários são elevados e há uma questão de burocracia grande para se fazer negócios no Brasil – afirma Barral.




Reorganização longa




A tendência é que a reorganização das cadeias globais seja longa, pois envolve a necessidade de investimento, processos regulatórios e buscas por fornecedores confiáveis. E não é tão simples abrir mão de uma hora para outra das vantagens oferecidas por grandes mercados, como a China.



O México saiu na frente na atração desses investimentos pela proximidade geográfica com os EUA. Os acordos comerciais com americanos e canadenses e as redes de transporte de carga estabelecidas também são alguns dos atrativos.


Nessa semana, o país desbancou a China e se tornou o maior fornecedor externo para os americanos.


— O México é parte do acordo de livre comércio com os países da América do Norte, tem umas vantagens logísticas e tributárias muito significativas. O Brasil nunca vai conseguir competir com o México em termos de mercado americano, mas pode se posicionar como um player para a América Latina e para países no norte da Europa — destaca Doria.





No caso dos asiáticos, como o Vietnã, a proximidade com a China ajuda. Diante dos receios dos investidores com a política chinesa, que aumentaram após o início da pandemia, muitas empresas buscaram diversificar suas operações na região.




Fonte: O GLOBO