O presidente defenderá, entre outras questões, a ampliação do número de membros permanentes do Conselho de Segurança
Com um discurso focado no resgate da agenda dos países em desenvolvimento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltará a abrir a Assembleia Geral da ONU, na próxima terça-feira, 14 anos depois de discursar na sede das Nações Unidas, em Nova York, pela última vez.
Lula aproveitará o mote de que o Brasil está de volta ao cenário internacional para criticar o atual sistema de governança, que permite, na sua visão, que o lado desenvolvido do planeta afaste das grandes decisões o chamado Sul Global.
O retorno de Lula ao palco multilateral já se desenhava cheio antes mesmo da chegada do presidente à Nova York. O governo brasileiro recebeu mais de 50 pedidos de encontros bilaterais, um deles já confirmado com o presidente americano, Joe Biden.
O presidente Lula em discurso na Assembleia-Geral da ONU de 2004 — Foto: Don Emmert/AFP
Assim como fez na Índia, quando citou o ciclone no Rio Grande do Sul como exemplo de fenômenos climáticos não esperados, Lula deve dizer que o Brasil tem legitimidade para pedir atenção e cooperação nesse tema e ainda cobrar dinheiro e comprometimento das nações desenvolvidas.
Autor de mais de 40 livros e ex-representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti e na Nicarágua, Ricardo Seitenfus explica que o Brasil é o primeiro a discursar na Assembleia Geral da ONU como uma compensação por ter ficado de fora na escolha dos membros permanentes e com direito a veto no Conselho de Segurança.
— É uma obsessão inútil tentar participar do Conselho de Segurança — afirma Seitenfus.
Ele destaca que, entre os membros permanentes, os Estados Unidos são contra a ampliação, mas preferem se manter em silêncio. A China não aceita a ideia, por causa do Japão, que também é candidato.
Lula fez parada em Cuba para encontro do G77 e reunião bilateral antes de desembarcar nos EUA — Foto: Ricardo Stuckert
—Todos esses pontos demarcam uma diferença enorme com relação às participações de Bolsonaro na Assembleia-Geral das Nações Unidas. O ex-presidente desprezava o multilateralismo e apostava numa diplomacia bilateral e seletiva. Seus discursos foram defensivos, acusatórios e conspiratórios, rompendo com a longa tradição diplomática do país — destaca o cientista político.
Um importante interlocutor do governo brasileiro ressalta que dois eventos serão o pano de fundo da reunião de líderes da ONU: a Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (dias 18 e 19) e a Cúpula da Ambição Climática (dia 20). Dados da própria ONU mostram que apenas 12% das 169 metas estão avançando; metade está abaixo do esperado e 30% não tiveram evolução desde 2015, quando a chamada Agenda 2030 foi estabelecida.
— Os discursos do presidente Lula estão em sintonia com a Agenda 2030, porque tratam da conexão entre temas ambientais e questões que atingem especialmente os países emergentes, como a erradicação da pobreza, o combate à fome e a igualdade de gênero. Cada vez mais fica evidente que não será possível evitar o colapso climático sem dirimir esses outros problemas e sem a colaboração ativa dos países ricos — afirma Flavia Loss, doutora em relações internacionais e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Assim como Casarões, ela salienta que as agendas de Lula e seu antecessor são bastante diferentes.
— Os países membros da ONU não usam esse fórum para tratar de questões domésticas ou atacar adversários políticos, e sim para apontar os principais problemas enfrentados pela humanidade. A ideia é propor ações de cooperação internacional para solucioná-los. Nesse sentido, o discurso do presidente Lula será a volta da normalidade da participação do Brasil na ONU.
O último discurso de Lula na ONU foi em 2009. No ano seguinte, coube ao então chanceler Celso Amorim abrir o evento.
Na época, Lula pediu maior comprometimento da ONU com as questões globais, como o crescimento da África, os direitos humanos e o combate ao desarmamento e proliferação nuclear. O mundo vivia uma grave crise financeira e Lula afirmou que seria uma "omissão histórica imperdoável" se os países cuidassem apenas das consequências, sem enfrentar as causas.
O presidente disse, ainda, que o Brasil estava pronto para discutir medidas de combate à mudança climática, através da redução das emissões de carbono e do incentivo a novas fontes renováveis de energia.
—O Brasil está cumprindo sua parte — afirmou.
Outro evento de destaque que acontecerá durante a Assembleia Geral será o lançamento de uma ação global pelo trabalho decente pelos presidentes Lula e o americano Joe Biden. A ideia é conseguir o máximo de apoio para uma iniciativa mundial pela criação de empregos e condições mínimas de salário e salubridade.
Fonte: O GLOBO
O retorno de Lula ao palco multilateral já se desenhava cheio antes mesmo da chegada do presidente à Nova York. O governo brasileiro recebeu mais de 50 pedidos de encontros bilaterais, um deles já confirmado com o presidente americano, Joe Biden.
Existe, ainda, a expectativa por parte de setores da comunidade internacional, sobretudo do próprio governo americano e de países da União Europeia (UE), de um eventual encontro entre Lula e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, após vários desencontros nos últimos meses.
Para o governo brasileiro, não haverá palco melhor para Lula do que a Assembleia Geral para voltar a insistir na presença de outros países, como o Brasil, como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — desejo que existe desde a fundação do organismo, em meados da década de 1940. Um dos argumentos a serem usados por Lula é que, mais de um ano e meio após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o órgão fracassou na busca de soluções para a paz.
Além disso, essa nova governança global defendida no discurso do presidente brasileiro seria ligada à ONU e teria o poder de forçar países a cumprir, por exemplo, metas de combate ao aquecimento global. Hoje, nenhum Estado ou organismo internacional pode forçar um país a cumprir ordens ou medidas. Uma tentativa ou interferência pode ser vista como violação à soberania nacional.
Lula trabalhará em seu discurso com outros pilares já anunciados por ele, ao assumir a presidência do G20, no último fim de semana, na Índia: uma ação global de combate à fome, a redução das desigualdades e o desenvolvimento econômico sustentável, baseado em aspectos não apenas econômicos, mas ambientais e sociais.
Para o governo brasileiro, não haverá palco melhor para Lula do que a Assembleia Geral para voltar a insistir na presença de outros países, como o Brasil, como membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — desejo que existe desde a fundação do organismo, em meados da década de 1940. Um dos argumentos a serem usados por Lula é que, mais de um ano e meio após a invasão da Ucrânia pela Rússia, o órgão fracassou na busca de soluções para a paz.
Além disso, essa nova governança global defendida no discurso do presidente brasileiro seria ligada à ONU e teria o poder de forçar países a cumprir, por exemplo, metas de combate ao aquecimento global. Hoje, nenhum Estado ou organismo internacional pode forçar um país a cumprir ordens ou medidas. Uma tentativa ou interferência pode ser vista como violação à soberania nacional.
Lula trabalhará em seu discurso com outros pilares já anunciados por ele, ao assumir a presidência do G20, no último fim de semana, na Índia: uma ação global de combate à fome, a redução das desigualdades e o desenvolvimento econômico sustentável, baseado em aspectos não apenas econômicos, mas ambientais e sociais.
O presidente Lula em discurso na Assembleia-Geral da ONU de 2004 — Foto: Don Emmert/AFP
Assim como fez na Índia, quando citou o ciclone no Rio Grande do Sul como exemplo de fenômenos climáticos não esperados, Lula deve dizer que o Brasil tem legitimidade para pedir atenção e cooperação nesse tema e ainda cobrar dinheiro e comprometimento das nações desenvolvidas.
Autor de mais de 40 livros e ex-representante da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti e na Nicarágua, Ricardo Seitenfus explica que o Brasil é o primeiro a discursar na Assembleia Geral da ONU como uma compensação por ter ficado de fora na escolha dos membros permanentes e com direito a veto no Conselho de Segurança.
— É uma obsessão inútil tentar participar do Conselho de Segurança — afirma Seitenfus.
Ele destaca que, entre os membros permanentes, os Estados Unidos são contra a ampliação, mas preferem se manter em silêncio. A China não aceita a ideia, por causa do Japão, que também é candidato.
E a Rússia, apesar das declarações de apoio ao Brasil, foi um dos responsáveis pela não aceitação do país, quando era União Soviética, sob a alegação de que o Ocidente já tinha três representantes: EUA, Reino Unido e França.
O cientista político Guilherme Casarões, pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e professor da Fundação Getúlio Vargas, destaca que a guerra na Ucrânia é a primeira que acontece na Europa envolvendo uma grande potência desde 1945.
— O governo Lula já se ofereceu como mediador desse conflito e provavelmente insistirá nesse papel, talvez trazendo outras nações em desenvolvimento para a iniciativa, como Índia e África do Sul — diz ele.
Interlocutores do governo afirmam que poderá ocorrer reunião bilateral entre Lula e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O líder ucraniano já declarou que só admite negociar um plano de paz de sua autoria, e não um texto elaborado por outro país, como o Brasil.
Para Casarões, Lula resgatará a relevância da agenda de desenvolvimento, que se desdobra em reformas do sistema financeiro global e em políticas de combate à pobreza e à desigualdade. Ele compara o discurso de Lula com o de seu antecessor, Jair Bolsonaro.
O cientista político Guilherme Casarões, pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e professor da Fundação Getúlio Vargas, destaca que a guerra na Ucrânia é a primeira que acontece na Europa envolvendo uma grande potência desde 1945.
— O governo Lula já se ofereceu como mediador desse conflito e provavelmente insistirá nesse papel, talvez trazendo outras nações em desenvolvimento para a iniciativa, como Índia e África do Sul — diz ele.
Interlocutores do governo afirmam que poderá ocorrer reunião bilateral entre Lula e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O líder ucraniano já declarou que só admite negociar um plano de paz de sua autoria, e não um texto elaborado por outro país, como o Brasil.
Para Casarões, Lula resgatará a relevância da agenda de desenvolvimento, que se desdobra em reformas do sistema financeiro global e em políticas de combate à pobreza e à desigualdade. Ele compara o discurso de Lula com o de seu antecessor, Jair Bolsonaro.
Lula fez parada em Cuba para encontro do G77 e reunião bilateral antes de desembarcar nos EUA — Foto: Ricardo Stuckert
—Todos esses pontos demarcam uma diferença enorme com relação às participações de Bolsonaro na Assembleia-Geral das Nações Unidas. O ex-presidente desprezava o multilateralismo e apostava numa diplomacia bilateral e seletiva. Seus discursos foram defensivos, acusatórios e conspiratórios, rompendo com a longa tradição diplomática do país — destaca o cientista político.
Um importante interlocutor do governo brasileiro ressalta que dois eventos serão o pano de fundo da reunião de líderes da ONU: a Cúpula dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (dias 18 e 19) e a Cúpula da Ambição Climática (dia 20). Dados da própria ONU mostram que apenas 12% das 169 metas estão avançando; metade está abaixo do esperado e 30% não tiveram evolução desde 2015, quando a chamada Agenda 2030 foi estabelecida.
— Os discursos do presidente Lula estão em sintonia com a Agenda 2030, porque tratam da conexão entre temas ambientais e questões que atingem especialmente os países emergentes, como a erradicação da pobreza, o combate à fome e a igualdade de gênero. Cada vez mais fica evidente que não será possível evitar o colapso climático sem dirimir esses outros problemas e sem a colaboração ativa dos países ricos — afirma Flavia Loss, doutora em relações internacionais e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Assim como Casarões, ela salienta que as agendas de Lula e seu antecessor são bastante diferentes.
— Os países membros da ONU não usam esse fórum para tratar de questões domésticas ou atacar adversários políticos, e sim para apontar os principais problemas enfrentados pela humanidade. A ideia é propor ações de cooperação internacional para solucioná-los. Nesse sentido, o discurso do presidente Lula será a volta da normalidade da participação do Brasil na ONU.
O último discurso de Lula na ONU foi em 2009. No ano seguinte, coube ao então chanceler Celso Amorim abrir o evento.
Na época, Lula pediu maior comprometimento da ONU com as questões globais, como o crescimento da África, os direitos humanos e o combate ao desarmamento e proliferação nuclear. O mundo vivia uma grave crise financeira e Lula afirmou que seria uma "omissão histórica imperdoável" se os países cuidassem apenas das consequências, sem enfrentar as causas.
O presidente disse, ainda, que o Brasil estava pronto para discutir medidas de combate à mudança climática, através da redução das emissões de carbono e do incentivo a novas fontes renováveis de energia.
—O Brasil está cumprindo sua parte — afirmou.
Outro evento de destaque que acontecerá durante a Assembleia Geral será o lançamento de uma ação global pelo trabalho decente pelos presidentes Lula e o americano Joe Biden. A ideia é conseguir o máximo de apoio para uma iniciativa mundial pela criação de empregos e condições mínimas de salário e salubridade.
Fonte: O GLOBO
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