Após aprovação do marco fiscal e da Reforma Tributária na Câmara, medidas para elevar receitas, como taxação de fundos 'offshore', ainda precisam de aval de parlamentares

Mesmo após abrir espaço para os partidos PP e Republicanos em ministérios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deve encontrar vida fácil na Câmara para impor sua agenda na área econômica. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tem deixado claro que quem dita o ritmo no Legislativo é ele e, apesar dos acenos de lado a lado, não vai aceitar pressão do Palácio do Planalto para abandonar projetos que incomodem o governo.

Apesar de já ter aprovado o novo marco fiscal e a Reforma Tributária, o governo ainda depende de algumas medidas para aumentar a arrecadação e entregar o prometido déficit zero em 2024, como a taxação de fundos offshore e exclusivos. Na lista de temas espinhosos no Congresso, estão ainda a reforma administrativa e até os dois vetos dados por Lula no arcabouço fiscal.

No caso da reforma administrativa, a proposta voltou a ganhar atenção na Câmara por iniciativa de Lira e de líderes do Centrão, apesar de sofrer fortes resistências da equipe do Ministério da Fazenda, que não vê com bons olhos a discussão neste momento.

O ministro Fernando Haddad chegou a mencionar que o Executivo apoia projetos que limitem supersalários e mudanças em algumas regras do concurso público, mas descartou apoiar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) ampla para reformar o funcionalismo público.

Além disso, o projeto é de iniciativa do Executivo, sob comando de Jair Bolsonaro. Ou seja, tem as digitais do ex-presidente e do ex-ministro da Economia Paulo Guedes.

O governo também tem tentado, sem sucesso, barrar o avanço de uma PEC que dificulta o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras no exterior, outra pauta cara a parlamentares de partidos que agora fazem parte do governo.

BNDES será teste

Além disso, há uma queda de braço de Haddad com líderes da Câmara envolvendo a proposta de taxar fundos offshore, que são contas no exterior, geralmente em paraísos fiscais, e o estabelecimento do chamado “come-cotas” para os fundos exclusivos. Esses fundos só são tributados quando há resgate, mas o governo quer que isso aconteça duas vezes por ano, como os demais fundos tradicionais.

Na conta das dificuldades que o governo deve enfrentar com os aliados está ainda o plano, já anunciado por Lira, de derrubar os vetos de Lula feitos no projeto do arcabouço fiscal, regra que substituiu o teto de gastos para tentar equilibrar as contas públicas.

Um dos primeiros testes do governo após a definição de André Fufuca, do PP, no Ministério dos Esportes, e Silvio Costa Filho, do Republicanos, no Ministério dos Portos e Aeroportos, será a análise da PEC do BNDES na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

Nas últimas semanas, a base do governo travou uma queda de braço com o Centrão e a oposição para tentar retirar a proposta de pauta, mas não teve sucesso. A previsão é que a votação aconteça nesta semana.

O projeto é de autoria do deputado Mendonça Filho (União-PE) e foi apresentado como uma resposta à declaração dada por Lula de que o banco financiaria obras na Argentina. O relator da PEC é o deputado Arthur Maia (União-BA), aliado próximo de Lira.

Na avaliação de deputados da base aliada, apesar de hoje haver apoio na CCJ para que a proposta seja aprovada, há dúvidas se parlamentares do PP e do Republicanos vão se manter contrários ao governo após o anúncio dos novos ministros.

Já em relação ao veto que Lula fez no arcabouço fiscal, há um acordo mais encaminhado por parte dos líderes da Câmara. Em evento que participou em São Paulo há duas semanas, o presidente da Casa disse que é “prerrogativa do Congresso analisar o veto e derrubá-lo, se necessário” e que “há chance desse veto ser derrubado pelo Congresso”.

Um dos trechos vetados proibia que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) excluísse despesas primárias da meta de resultado primário dos orçamentos fiscal e da seguridade social, algo que o governo pode fazer para melhorar resultados fiscais. Outro permitia a redução de investimentos em caso de limitação de recursos.

Contra alta de impostos

No mesmo evento em que falou sobre o veto, o presidente da Câmara disse que não tem compromisso com as medidas de offshore e fundos exclusivos. Lira avaliou que a ideia se trata de um debate “de ricos contra pobres” e disse que o Congresso é contrário ao aumento de impostos.

Do outro lado, governistas afirmam que é importante fazer avançar a taxação dos fundos. As medidas também contam com o apoio de uma parte das legendas do centro que tem ministérios no governo, como MDB e PSD. O líder do PSD na Câmara, Antonio Brito (BA), pediu a Lira que Pedro Paulo (PSD-RJ) seja o relator do projeto, algo que ainda não está definido.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chegou a cobrar Lira diretamente nas redes sociais para dar prioridade ao projeto de offshore e dos fundos exclusivos. Ao mesmo tempo, a petista criticou a discussão sobre a reforma administrativa.

“A Câmara, Arthur Lira, não pode votar contra o projeto que ganhou nas urnas. Agora não é hora de reforma administrativa e sim de taxar os super-ricos”, reclamou.

Mesmo com o cenário de adversidades, o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), avalia que há acordo para aprovar o texto:

— Acho que vai ter acordo, deve votar dois temas em um projeto só, offshore e fundos especiais.


Fonte: O GLOBO