Donos de títulos da dívida do grupo questionam suspensão de assembleias que afirmam terem sido regulares

Após a Light decidir que fará um plano para sair da recuperação judicial, cresce a pressão vinda de credores da companhia na esteira de se chegar a um acordo que garanta o pagamento de seu naco da dívida com o menor desconto possível.

Um grupo de detentores de títulos da dívida da companhia protocolou na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nesta segunda-feira um pedido para que Eduardo Gotilla, diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Light, seja investigado.

A petição é assinada por 14 instituições, entre gestoras como AZ Quest e JGP e um fundo de previdência privada, o Aceprev, além de 23 investidores pessoa física. Eles alegam que a Light vem divulgando informações falsas sobre a atuação dos debenturistas ao afirmar que esses credores não cumpriram as regras para realização de assembleias. Dizem ainda que a companhia descumpre regras do mercado de capitais.

Para os credores, as medidas tomadas pela Light têm dois efeitos principais, conta um executivo desse mercado de investimentos: o primeiro seria o dano ao pequeno investidor, que recorre às assembleias para se manter informado. O outro é que a hostilidade da companhia com os debenturistas "afasta uma tentativa de acordo com os credores", frisa.

Light desistiu de recuperação judicial — Foto: Léo Martins/Agência O Globo

Entenda a disputa

O embate entre a companhia e os debenturistas se arrasta desde o início da crise no grupo, que explodiu após o anúncio da contratação da LaPlace para atuar na reestruturação financeira da Light. Sem alcançar um acordo extrajudicial com os credores, a companhia entrou em recuperação judicial em maio, com uma dívida superior a R$ 11 bilhões.

Três agentes fiduciários - os responsáveis por representar e proteger detentores de títulos da dívida de uma companhia - fizeram oito emissões para a Light: Oliveira Trust, Pentágono e Vórtx. Gestoras de fundo afirmam que essas emissões foram adquiridas por 30 mil investidores pessoas físicas e outras três milhões por meio de fundos de investimento.

No fim de junho, a Justiça do Rio suspendeu uma série de assembleias de debenturistas. As reuniões não poderiam ocorrer até que as instituições que representam esses credores da companhia apresentassem documentos relativos à convocação, pauta, propostas e decisões, além da lista de presença e do voto dos presentes.

A companhia argumentou que não havia sido informada das assembleias e que, nelas, houve articulações e aprovações de contratações irregulares.

Os debenturistas, de outro lado, afirmam que todos os trâmites legais foram observados, incluindo o processo de convocatória das assembleias, feitas por edital.

No pedido levado à CVM, eles afirmam ainda que as assembleias contaram com decisões aprovadas por ampla maioria, tento havido contratações de assistentes financeiros, jurídicos e de imprensa.

Todas as atas relativas às assembleias realizadas foram encaminhadas à Light que, apesar de ter afirmado não ter recebido esses documentos, fez o registro dessas informações na Junta Comercial do Rio de Janeiro (Jucerja), diz a petição.

Negociações emperradas

Após a eleição do novo Conselho de Administração da companhia, indicado por Nelson Tanure - hoje o maior acionista individual da Light, ao lado de Ronaldo Cezar Coelho e Beto Sicupira -, o diálogo com os credores vinha progredindo, afirmam pessoas próximas às negociações.

A decisão da última semana, contudo, de retirar a companhia da recuperação judicial o quanto antes pegou os credores de surpresa. Na leitura dos debenturista, explica uma fonte próxima a esse grupo, é de que o board da Light parece atuar com um objetivo, acenando com possíveis acordos com os credores, enquanto a direção executiva da companhia toma o caminho contrário, "atacando" os investidores.

Ainda assim, mesmo após a decisão de estruturar um plano que tire a Light da recuperação e permita acelerar a renovação da concessão de sua distribuidora de energia, a Light Sesa, não há novas propostas sobre a mesa no diálogo com os credores, afirmam fontes próximas aos debenturistas.

Há preocupação com a demora da companhia em apresentar uma estrutura financeira capaz de garantir a sustentabilidade da concessão. A pressão do governo por isso é crescente, contam executivos a par das conversas.

O contrato vence em 2026. O grupo já pediu a renovação antecipada, mas a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem até o fim de 2024 para se pronunciar.

Da Justiça à CVM

Acionar a CVM foi uma forma de ter o impasse analisado pelo regulador do mercado de capitais, já que o processo relacionado às assembleias de debenturistas corre em separado e sob sigilo na Justiça do Rio.

A ideia é que a questão passe a ser analisada pelo regulador do mercado, enquanto o o processo na Justiça do Rio segue sob sigilo, ponto que vem sendo questionado pelos credores. A bandeira dos debenturistas é de que os agentes fiduciários não deixariam de fazer seu trabalho nem atuariam para prejudicar a Light.

Eles seguem questionando a legalidade da recuperação judicial do Grupo Light, já que o regime é vedado a concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Com isso, a saída foi pedir proteção à Justiça por meio da holding.

No documento, o argumento é de que o diretor Eduardo Gotilla estaria a par de todos os trâmites relacionados à realização das assembleias dos credores e de suas obrigações relacionadas ao mercado de capitais. Daí a acusação de que a Light vem divulgando informações falsas ao dizer que os debenturistas desobedeceram as regras previstas.


Fonte: O GLOBO