É preciso reconhecer que casos como o dos alunos de medicina da Unisa não são pontuais ou isolados

O caso dos alunos de medicina da Unisa (Universidade Santo Amaro) expondo suas genitálias publicamente durante um jogo de vôlei feminino já repercutiu bastante sob a ótica da punição aos envolvidos no episódio. Eles foram expulsos pela instituição, e estão sendo investigados pelo crime de ato obsceno. Mas, passada a indignação instantânea provocada pela divulgação do vídeo em redes sociais, precisamos aprofundar o debate sobre o combate em estabelecimentos de ensino superior a uma cultura violenta e misógina que ainda persiste.

O vídeo em si poderia mostrar apenas um grupo restrito de jovens agindo de forma estúpida e inconsequente — talvez criminosa, a depender das investigações — num local público, mas há um contexto maior. O repórter Guilherme Caetano, do GLOBO, conversou com alunas que, sob condição de anonimato, relataram sentir um clima de terror psicológico e machismo desde o ingresso no curso. Outras reportagens deram destaque ao hino entoado por alunos da atlética de medicina que fala em “enfiar o dedo” na vagina e “arreganhar”.

Desta vez aconteceu na Unisa, mas é uma cultura presente em várias instituições, públicas e privadas. Há quem minimize atos como esses sob a justificativa de que fazem parte de uma tradição inofensiva. É um argumento similar ao que era usado nos debates sobre trotes vexatórios e violentos, e que foi perdendo força à medida em que se acumulavam casos de agressões e mortes, como a do calouro de medicina Edison Tsung Chi Hsueh, em 1999, na USP.

Além disso, o fato de determinados comportamentos fazerem parte de uma cultura tradicional de alguns grupos não significa, obviamente, que devam continuar a ser tolerados em pleno século XXI. Se assim fosse, torcidas de futebol seguiriam praticando gestos racistas ou entoando cantos homofóbicos sem punição às pessoas físicas ou jurídicas.

A lógica vale ainda mais em se tratando de instituições de ensino, afinal, valores e princípios éticos são comportamentos esperados de qualquer profissional, ainda mais de médicos. A universidade é espaço de aprendizagem, e uma das primeiras lições a serem aprendidas é sobre a responsabilidade pelos seus atos na vida adulta.

Na educação básica, ainda que problemas persistam, já está bem sedimentada a ideia de que é papel das escolas atuarem na preservação de um clima escolar positivo, baseado em relações respeitosas, com canais e políticas adequadas para combater o bullying, a violência, a incivilidade e a indisciplina.

No ensino superior, um primeiro passo para combater o problema é reconhecer que esses não são casos pontuais ou isolados. Os nomes dos alunos envolvidos no episódio que veio a público na semana passada não foram divulgados e, enquanto não forem concluídas as investigações, é melhor que assim seja. 

Mas, mesmo que tivessem suas identidades reveladas, poucos se lembrariam deles em cinco ou dez anos. O mesmo, porém, não acontece com o nome da universidade, o que acaba prejudicando injustamente uma maioria de estudantes que absolutamente nada teve a ver com o caso. Se não forem movidas pela responsabilidade social, que ao menos as instituições atuem de forma mais efetiva para zelar por sua reputação.


Fonte: O GLOBO