Experimentos já em fase de operação estão tornando ficção científica em realidade na megacidade chinesa de Chongqing

A megacidade chinesa de Chongqing é um espanto contínuo para a mente e os sentidos. A comida apimentada atiça o olfato e o paladar, a topografia acidentada bagunça o senso de direção, a arquitetura arrojada cativa o olhar, enquanto os ouvidos são desafiados pela versão local de música trap, a vertente do rap que pegou no mundo inteiro e fez desta megalópole sua capital na China.

O ar futurista é reforçado pelo foco intenso em tecnologia, a obsessão nacional, com diversos parques de inovação espalhados por Chongqing. Transição energética, inteligência artificial, veículos autônomos, cidade inteligente. São expressões que de tão repetidas viraram uma espécie de mantra no discurso do governo e de investidores, confiantes em que são esses os setores que definirão quem ocupará o topo das cadeias produtivas globais.

Alguns dos experimentos já em fase de operação estão tornando realidade o que antes pertencia à ficção científica. É o caso da indústria de veículos autônomos, que na China manteve uma expansão acelerada mesmo durante a pandemia, com o empurrão dos bilhões injetados pelo financiamento estatal. Nos últimos três anos foram estabelecidos 16 projetos ligados a veículos na “cidade da ciência” de Chongqing, com previsão de US$ 4,3 bilhões em investimentos concentrados em tecnologias de ponta.

Como suporte científico, foi criado no ano passado o Centro de Inovação de Veículos Inteligentes e Conectados de Chongqing, com um time de 70 engenheiros, metade deles com PhD. Seu trabalho é desenvolver o ecossistema de conectividade que permitirá a propagação dos veículos autônomos não apenas em funções controladas, como carregamento de materiais em fábricas, mas no transporte urbano de passageiros.

Como amostra do que virá, visitantes têm experiências interativas com carros sem motoristas e aprendem como funciona o controle de trânsito, cuja principal meta é aumentar a segurança. Um exemplo: com a ajuda de sensores, um veículo é avisado com antecedência sobre um pedestre que atravessa a rua fora da faixa e evita o atropelamento.

Como quase sempre ocorre no caso de novas tecnologias, os enormes avanços são acompanhados de dilemas à altura. Por trás das inovações está uma gigantesca coleta de dados sobre a movimentação de cada veículo, o que permite a prevenção de acidentes mas também representa um risco à privacidade dos usuários. Não é um dilema exclusivo da China. Mas num Estado pouco transparente, centralizador e inclinado ao controle populacional, a apreensão é maior.

Mesmo neste caso, o sistema chinês é bem mais descentralizado do que se pensa. Assim como faz com reformas econômicas, a política de proteção de dados está sendo implementada com tentativa e erro. Diferentes províncias servem como programas pilotos, para que o governo de Pequim possa decidir qual o melhor rumo a seguir. Num momento de tensão geopolítica crescente, a preocupação não é só com a privacidade, mas com a segurança nacional.

Em julho, carros da empresa americana Tesla foram proibidos de circular em Chengdu na véspera da chegada do presidente Xi Jinping. Não foi a primeira vez. Nos últimos anos os Teslas passaram a sofrer restrições de movimento em várias partes da China, especialmente naquelas próximas a complexos militares, devido ao receio de que dados sensíveis fossem coletados pelas câmeras dos carros.


Fonte: O GLOBO