Para liberação de novos equipamentos pelo órgão, é preciso atestar eficácia e segurança na prática médica

Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei que permite a prática da ozonioterapia no país não deve ampliar, na prática, a forma como o tratamento é aplicado hoje, avalia a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ao GLOBO, o gerente de Tecnologia em Equipamentos, Anderson Pereira, afirma que o órgão não irá flexibilizar as decisões tomadas sobre o procedimento no Brasil.

De acordo com a legislação — aprovada com oposição do Ministério da Saúde e de entidades médicas —, a ozonioterapia está condicionada a ser aplicada “por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Anvisa ou órgão que a substitua".

Até o momento, os equipamentos aprovados são exclusivamente para fins odontológicos e estéticos. E o cenário será o mesmo enquanto a agência não reconhecer a eficácia do procedimento para fins medicinais.

— Não haverá nenhuma flexibilização (na autorização da ozonioterapia). A Anvisa está aberta para novos protocolos e pedidos de análise, mas não é um processo rápido — disse Anderson Pereira ao GLOBO.

Para ter aprovação da Anvisa, o pedido de uma empresa deve conter todos os resultados mecânicos do equipamento, como testes de desempenho, além da comprovação de segurança da técnica. Estudos clínicos comprovando a eficácia para a indicação de uso também são necessários.

— Não existe nenhum equipamento de ozonioterapia para fim médico aprovado na Anvisa, visto que todos os equipamentos demonstraram ineficácia clínica. A aprovação hoje é para uso restrito em odontologia, como tratamento da cárie dental e prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios, e limpeza de pele. Somente isso — pontua Pereira.

A ozonioterapia envolve o uso dos gases ozônio e oxigênio, combinação com potencial de provocar efeitos oxidante e bactericida. A aplicação, segundo adeptos, pode ser feita direta com uma seringa, por via retal ou por outros orifícios. 

Defensores da técnica argumentam que o ozônio tem propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e melhora a oxigenação do corpo, sendo indicado para doenças autoimunes, problemas respiratórios, câncer, HIV e outras enfermidades. O uso do gás nesses casos, contudo, não é regulamentado.

Em tese, a prática poderia levar a um fortalecimento do sistema imunológico. As alegações, contudo, não são comprovadas. A técnica também é considerada insegura, segundo especialistas. Isso porque, em muitos casos, as doenças podem ser agravadas por terapias inadequadas.

Reações Negativas

No início do mês, a sanção da lei desencadeou uma série de reações negativas, sobretudo de profissionais da saúde. Entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB), também se manifestaram e alegaram não haver comprovação científica sobre segurança e efetividade da ozonioterapia na medicina.

— Na prática, a lei não muda a forma como o procedimento é feito no Brasil. Apesar disso, empresas internacionais ou nacionais podem protocolar novos pedidos. Temos uma alta demanda com relação ao tema e nossa expectativa é que, agora, o número aumente — relatou Pereira.

Em nota, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) fez um alerta ao listar as "vias de aplicação" testadas por defensores da prática. São técnicas de "auto-hemotransfusão, injeção de ozônio por via intravenosa, por via intramuscular ou até mesmo entre os discos vertebrais". Também há registro de "aplicação cutânea, insuflação retal através de um cateter introduzido no intestino, método que também pode ser realizado por outros orifícios como boca, nariz ou vagina". Ainda "banho de gás, com uso de uma câmara cheia de gás ozônio para que haja inalação".

"A simples leitura desta relação demonstra que alguns dos procedimentos são invasivos”, afirma a entidade.

A ozonioterapia foi altamente criticada durante a pandemia da Covid por especialistas em saúde, incluindo entidades médicas. Em 2020, o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a divulgar uma nota de esclarecimento reiterando que os efeitos do tratamento em humanos infectados pelo vírus são “desconhecidos”, “não devendo ser recomendado na prática clínica ou fora dos contextos de estudos”.

O projeto que deu origem à lei foi apresentado no Senado em 2017. O texto autoriza profissionais de saúde de nível superior e inscritos nos respectivos conselhos de classe a prescreverem e aplicarem a ozonioterapia como tratamento de saúde complementar no país, por equipamento de produção de ozônio medicinal regularizado pela Anvisa.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, havia recomendado Lula a vetar o projeto. Contudo, como O GLOBO informou, o petista decidiu seguir o conselho do ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para evitar ruídos na relação com o Congresso. No Legislativo, o então projeto de lei foi aprovado após a formação de um amplo acordo.

Segundo o Ministério da Saúde, a utilização da técnica no Sistema Único de Saúde (SUS), incluída de forma controversa na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em 2018, é restrita à área da odontologia, feita com aparelhos registrados pela reguladora do país.

Em nota técnica no ano passado, a Anvisa destacou que o uso da ozonioterapia fora dessas indicações “configura infração sanitária”. Disse ainda que “há riscos à saúde oriundos da utilização indevida e indiscriminada desta tecnologia” e que não foram apresentados estudos que comprovem segurança e eficácia “para fins de aplicação médica ou de indicações de uso diversas daquelas descritas anteriormente”.


Fonte: O GLOBO