Economistas temem que medida afete nova regra fiscal, cuja tramitação ainda não foi concluída no Congresso

O anúncio de que o governo pretende descontar de limites fiscais R$ 5 bilhões em gastos de estatais com obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) acendeu o sinal de alerta entre os economistas. A preocupação é que a medida afete a credibilidade do arcabouço fiscal, que ainda não teve sua tramitação concluída no Congresso.
 
As empresas que usariam estes recursos em gastos no programa são principalmente Eletronuclear, Infraero e Companhias Docas, segundo fontes.

A nova regra fiscal prevê que o país registre déficit zero em 2024, o que já vinha sendo considerado no mercado um alvo difícil de alcançar, pois depende de incremento de receitas de mais de R$ 100 bilhões, com iniciativas que ainda serão apreciadas pelos parlamentares. Para este ano, a previsão da União é de déficit de 0,5% do PIB.

Agora, o governo pediu ao Congresso para mudar a lei que baliza o Orçamento do ano que vem a fim de abater de uma das metas de resultado das contas públicas estes R$ 5 bilhões para gastos de estatais com o PAC. O programa será lançado amanhã no Rio.

Diante do histórico de política fiscal nos últimos anos no país, economistas temem que brechas como estas se multipliquem à medida que o governo tenta colocar em marcha projetos como o novo PAC.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, lembra que, após a crise financeira global em 2008, o país passou a descontar despesas do PAC e das estatais da meta de resultado primário (que significa receitas menos despesas antes do pagamento de juros da dívida), mas tinha superávit próximo de 4%. Agora, o mercado espera déficit para este ano e para o próximo.

—Essas medidas vêm em conta-gotas e, no conjunto, podem dificultar muito a vida do governo. O arcabouço fiscal não é essa maravilha, não é bom criar furos e flancos numa regra que já é frágil. Mais investimento é positivo porque gera potencial de crescimento, mas deveria ser compensado pelo corte de outro gasto. Não estamos com sobra fiscal neste momento — disse.

Desconfiança na meta

Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, diz que as exceções vão deixando a “regra fiscal menos crível”. Em nota técnica, a instituição constatou que, desde 2001, quando se implantou a sistemática de meta de resultado primário, foram feitas mudanças, abatimentos e compensações em dez anos, praticamente metade do tempo de vigência do modelo de controle das contas públicas:


— Em vários anos, o cumprimento só foi possível por abatimento ou mudança na meta.


Isso aconteceu recentemente com o teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior), com desconto de subsídios e desonerações.


— Começou com pequenas exceções, de repente, veio um monte de exclusão, e o regime perdeu completamente a credibilidade. Não é o risco para hoje, mas certamente contribui para a desconfiança de que a meta não será cumprida — disse Paula Magalhães, economista-chefe da A. C. Pastore.



Ela afirma que a brecha aberta agora é mais um indicativo de que o governo vem procurando meios para poder fazer todos os gastos que quer, com uma meta ambiciosa:


— O cobertor é curto para tudo que o governo quer fazer.


A desconfiança entre economistas se agrava quando se leva em conta o tamanho do esforço necessário para alcançar o déficit zero em 2024. Para Manoel Pires, economista do Observatório de Política Fiscal da FGV, o cumprimento desse objetivo vai exigir um aumento de receitas de R$ 100 bilhões a R$ 130 bilhões.


—As dificuldades que o governo tem de cumprir as metas fiscais já estão colocadas, a ponto de estar sendo cobrado mais incisivamente sobre esse cumprimento. O esforço de R$ 100 bilhões a R$ 130 bilhões é muito grande.


Ele lembra que as medidas que vão garantir o déficit zero ainda dependem de aprovação no Congresso, como a taxação de fundos exclusivos, a regulamentação de apostas esportivas e a volta do voto de qualidade, que beneficia a União em caso de empate, no âmbito do Carf, o Tribunal da Receita. Pires afirma que mudanças como a retirada dos R$ 5 bilhões de limites fiscais de estatais desgastam a credibilidade:



—É uma semente que vai ganhando forma. A consequência é ter imprevisibilidade da política fiscal, com impacto nos juros.


O Ministério da Gestão e Inovação é a pasta responsável pelo controle e monitoramento das estatais, mesmo aquelas vinculadas a outras pastas. A solicitação foi feita em uma reunião da Junta de Execução Orçamentária, que reúne Planejamento, Fazenda e Casa Civil. Ao Congresso, o pedido foi para alterar a lei que baliza o Orçamento do próximo ano.



“Essas medidas vêm em conta-gotas e, no conjunto, podem dificultar muito a vida do governo. O arcabouço fiscal não é essa maravilha, não é bom criar furos e flancos numa regra que já é frágil”. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados




“A alteração autoriza investimentos de estatais não dependentes do Tesouro, permitindo o acréscimo de cerca de R$ 5 bilhões no PAC. A alteração não impacta a meta fiscal do governo federal e seguridade”, afirmou a pasta, em resposta ao GLOBO.




De porto a aeródromo




As estatais que vão concentrar os dispêndios estarão envolvidas em obras do PAC. A Eletronuclear administra as usinas de Angra 1 e 2 e está tocando obras da usina de Angra 3. O dinheiro deve ser usado em investimentos nas duas primeiras e em estudos de viabilidade econômica na terceira. Os estudos serão incluídos no PAC.


Já as companhias Docas de diversos estados devem fazer investimentos em portos e hidrovias usando os recursos.


No caso da Infraero, a empresa deve ser usada para construir e operar terminais regionais, com parâmetros e obrigações. Essa será uma das alternativas para atingir o objetivo de tornar mais 99 aeródromos ativos no país, com voos regulares, ao fim do mandato de Lula.



A estatal tende a ganhar um novo papel após ficar apenas com o Santos Dumont sob sua gestão, em razão das concessões de terminais nos últimos anos.




Fonte: O GLOBO