A ala conservadora do Senado decidiu dar o troco no governo Lula e barrar a votação do candidato escolhido pelo presidente para assumir a Defensoria Pública da União (DPU).

Igor Roque foi indicado por Lula em maio, depois de uma operação que barrou a sabatina do candidato escolhido por Jair Bolsonaro no final de sua gestão e impediu a aprovação pelo Senado.

Depois disso, Roque até foi aprovado com folga pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa em julho, mas até agora seu nome não foi submetido ao plenário – e até agora não se sabe quando isso acontecerá, porque os bolsonaristas do Senado têm empreendido uma bem sucedida campanha contra ele nos bastidores.

A tropa de choque contra Roque inclui senadores como Damares Alves (Republicanos-DF), Eduardo Girão (Novo-CE), Sergio Moro (União Brasil-PR) e Rogério Marinho (PL-RN).

Para esse grupo, dar o troco em Lula é apenas uma das razões para barrar a indicação de Roque.

Outro motivo, que tem convencido até mesmo conservadores não bolsonaristas, é o próprio comportamento do futuro defensor.

Segundo quatro parlamentares ouvidos pela equipe da coluna nos últimos dias, Roque – que é servidor de carreira da DPU e portanto já trabalhava no órgão – vem despachando como se fosse o chefe desde a sabatina na CCJ.

Nas últimas semanas, depois de ter o nome aprovado na CCJ, gravou vídeos propagandeando a futura gestão, como o que aparece ao lado do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, dizendo que vai combater as péssimas condições da população carcerária.

“A Defensoria está junto com o ministério pra gente atender essa população e estamos à disposição para trabalharmos juntos e apresentarmos resultados”, disse ele durante visita ao ministério de Silvio Almeida. O vídeo foi postado pela pasta dos Direitos Humanos.

Roque também já fez viagens pelo Brasil para se encontrar com lideranças indígenas e foi a Portugal para participar do Fórum Jurídico de Lisboa promovido pelo ministro Gilmar Mendes, como representante da DPU.

E tudo isso antes mesmo de ter o nome chancelado pelo plenário.

Senadores da oposição dizem que o futuro defensor demonstra desconsideração com o parlamento ao tratar a votação na Casa como meramente protocolar. O comportamento também tem irritado aliados.

Os parlamentares ainda torcem o nariz para o fato de o indicado de Lula para a Defensoria ter prestado assistência jurídica a Danilo Marques, um dos réus por ataques hackers às contas de autoridades no Telegram no episódio conhecido como “Vaza-Jato”.

O caso voltou a ganhar as páginas dos jornais com as novas acusações feitas por outro hacker envolvido no escândalo – Walter Delgatti Netto – contra Jair Bolsonaro. Delgatti afirma ter sido acionado por aliados do ex-presidente para participar de um esquema para fraudar as urnas eletrônicas e assumir a autoria de um grampo contra o ministro Alexandre de Moraes.

Interlocutores do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), informaram à equipe da coluna que, hoje, Igor Roque não teria o apoio necessário para ser aprovado pelo plenário da Casa.

Por isso, Pacheco estaria adiando a votação para dar tempo de o governo e o próprio Roque se articularem para ir atrás dos votos.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), chegou a sugerir aos colegas que o nome fosse analisado pelo Senado, dependendo de maioria simples (metade mais um dos presentes), e não de maioria absoluta (41 votos), o que facilitaria a aprovação, mas a ideia não foi vingou.

Na oposição, a ordem é tentar adiar a votação ao máximo e infernizar a vida do indicado por Lula, tenha ele os votos ou não.

Ao ser escolhido por Lula para o comando da DPU, Roque contou nos bastidores com o endosso do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, do coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, e do ex-deputado federal João Paulo Cunha.

“Só o fato do grupo Prerrogativas apoiar já é munição para os bolsonaristas avançarem contra”, disse um aliado de Roque.

Para petistas, o defensor escolhido por Lula tem perfil progressista, é sensível à questão prisional e se comprometeu a apoiar mutirões para combater a superlotação em presídios brasileiros. Também pesou a favor de Igor Roque ter ido às ruas protestar contra o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, o que obviamente irrita ainda mais os bolsonaristas.

A Defensoria Pública da União faz parte do sistema de Justiça e é responsável pela defesa de grupos vulneráveis, como populações pobres, povos indígenas e mulheres vítimas de violência.

Procurado pela equipe da coluna, Igor Roque disse que tem procurado os senadores da oposição para tentar apaziguar os ânimos. “Estamos sem defensor desde janeiro e quem sofre é a população carente que depende da atuação da defensoria. Estamos fazendo uma espécie de transição para não deixar o órgão paralisado”, afirmou à reportagem.

Sobre o encontro com Silvio Almeida e outros ministros de Lula, Roque disse que a sua intenção não foi desrespeitar o Senado. “Mas como isso terminou sendo enxergado dessa forma, não estou mais fazendo agendas dessa natureza”, esclareceu. Os senadores ainda não parecem totalmente convencidos.


Fonte: O GLOBO