Reviravolta no caso, uma década depois dos assassinatos acontecerem, permitiu a identificação do suspeito após uma pista crucial ter sido finalmente notada nos arquivos da investigação
Asa Ellerup pediu o divórcio de Heuermann, com quem se relacionava havia mais de 25 anos, depois de descobrir que dormia ao lado de um serial killer. Em entrevista ao "The Post", ela contou que sofre com transtorno de ansiedade desde que os policiais passaram 12 dias vasculhando a casa da família por evidências dos assassinatos.
— Eu acordo no meio da noite, tremendo — disse ela, que também apontou grave impacto emocional nos filhos do casal, especialmente em Christopher Sheridan, de 33 anos. — Meus filhos choram até dormir. Quero dizer, eles não são crianças. Eles são adultos, mas são minhas crianças, e meu filho tem deficiências de desenvolvimento.
A filha do casal, Victoria Heuermann, de 26 anos, por sua vez, disse para a mãe que não se sentia mais como uma humana depois da bagunça que os policiais deixaram para trás. Foi tanta que Asa Ellerup sequer tem uma cama para dormir e a casa agora parece "inabitável". O advogado do trio, Bob Macedonio, disse que os agentes trataram os parentes do serial killer como "animais".
— Nós pegamos outra cadeira do porão e do andar de cima para que eu e meu filho possamos sentar e conversar. Ele está tão perturbado e não entende e, como mãe, não tenho respostas para ele — contou Asa ao jornal. — Mas eu disse: 'Estamos juntos. Isso é realmente o que importa agora. Que você e eu estamos sentados aqui juntos e vamos superar isso'.
De acordo com os investigadores, com base em registros telefônicos, Asa e os filhos de Heuermann não estavam em casa no momento dos assassinatos. A polícia ainda apura onde ocorreram as mortes, mas aponta indícios, ainda conforme os registros telefônicos, de que os crimes teriam sido cometidos na residência da família.
Como foi a perseguição
Na noite de 13 de julho, detetives de terno e gravata abordaram Heuermann após ele sair de seu prédio comercial. O suspeito, contam os promotores, cobriu metodicamente seus rastros e monitorou de perto a investigação. Mas, quando os detetives o prenderam, sua reação foi dizer duas palavras: "surpresa genuína", de acordo com o promotor Ray Tierney.
Foi usando registros telefônicos e um sistema sofisticado que mapeia o alcance das torres de celular que uma equipe de investigadores desenhou a forma irregular de um polígono em um mapa de ruas arborizadas no subúrbio de Massapequa Park, em Long Island, Nova York.
Desde 2021, os investigadores conseguiram reduzir paulatinamente a área até cobrir apenas algumas centenas de casas. Em uma delas, tinham a certeza, vivia um assassino em série. A história de como conseguiram chegar a ele é digna de um filme.
Em 2011, 11 corpos haviam sido encontrados no meio da vegetação rasteira ao redor da praia de Gilgo, um trecho remoto de areia de 8km na costa nova-yorkina. Quatro mulheres tinham sido amarradas com fita adesiva ou cintos. Ou enroladas em mortalhas com padrão de camuflagem. Todas trabalhavam como garotas de programa e desapareceram após irem atender um cliente.
Uma das primeiras descobertas foi a de que cada uma delas, pouco antes de desaparecer, ligou para um celular descartável diferente. Os investigadores determinaram então que, durante o dia de trabalho, alguns destes telefones foram utilizados naqueles dias em uma área específica do coração de Manhattan, perto da Penn Station. Durante a noite, eles seguiam emitindo sinais na região delimitada.
Heuermann morava em uma rua tranquila exatamente onde os investigadores esperavam encontrá-lo. O suspeito de ser um serial killer foi acusado de três dos assassinatos, dos quais se declarou inocente, e foi apontado como o principal suspeito no quarto.
A prisão pode ter encerrado anos de angústia das famílias das vítimas. Mas a investigação também levantou questão inquietante: as autoridades não poderiam ter resolvido o caso — que já dura uma década — anos antes? Um novo Comissário de Polícia e sua força-tarefa levaram apenas seis semanas para descobrir uma pista crucial no extenso arquivo do caso.
Descobertas sombrias
A suspeita de que um serial killer estava atuando em Long Island começou em dezembro de 2010, quando um policial de Suffolk, John Mallia, e seu parceiro canino, o pastor alemão Blue, tentavam encontrar Shannan Gilbert, de 24 anos, que havia desaparecido. No entanto, a dupla acabou encontrando quatro corpos perto da praia de Gilgo.
Parecia haver alguma ligação entre os corpos — todos de mulheres na casa dos 20 anos que haviam desaparecido nos quatro anos anteriores. Os investigadores presumiram que elas haviam sido mortas pelo mesmo homem, em parte devido à maneira como os corpos foram "embrulhados" e à proximidade em que se encontravam.
'Um ogro'
A última das quatro a desaparecer foi Amber Costello, de 27 anos. Pouco antes de ser vista pela última vez, em setembro de 2010, um provável cliente a chamou de um celular descartável e a visitou em sua casa, na localidade de West Babylon. Ele dirigia um veículo com visual singular: SUV na frente, picape atrás. O motorista era igualmente distinto: corpulento, na casa dos 40 anos, com cabelos escuros e espessos e óculos no estilo dos anos 1970. Uma testemunha o descreveu como "um ogro".
Assim que pagou a Costello, uma cena caótica se desenrolou. Um homem "fingindo ser um namorado indignado" entrou correndo. Era parte de um estratagema para lhe roubar dinheiro. Assustado, o homem saiu correndo da casa.
Mas ele não sumiu por muito tempo. Mandou uma mensagem para Costello pedindo "crédito para a próxima vez" e marcou novo encontro. Costello foi vista viva pela última vez na noite seguinte, saindo de sua casa, aparentemente para encontrar este mesmo homem.
Não muito tempo depois, uma testemunha relatou ter visto um caminhão escuro passando na área, mas a descrição do veículo na entrada da garagem acabou perdida no arquivo do caso por anos a fio como se fosse um detalhe sem importância. Não era.
Peneirando os Sinais
Entra em cena o novo chefe da polícia de Suffolk, Tim Sini, que redobrou os esforços para resolver o caso. Ex-promotor federal em Manhattan, ele se concentrou em rastrear os tais celulares descartáveis, em busca de mais pistas a serem obtidas. Em meados de 2016, obteve uma ordem judicial para ter informações detalhadas de todos os telefones que se conectavam a torres específicas em uma determinada janela de tempo naquela região.
De repente, um suspeito
A grande oportunidade se deu em março do ano passado. Apenas algumas semanas após a formação de uma força-tarefa, um investigador encontrou a descrição da testemunha do carro no arquivo do caso. Usando um banco de dados capaz de pesquisar veículos por marca e modelo sem números de placas, o investigador encontrou o Chevrolet Avalanche de Heuermann em 2010, ano em que Costello desapareceu.
O nome do dono do carro nunca aparecera anteriormente na investigação como suspeito. Mas sua descrição física combinava com a do "ogro" que saiu correndo da casa: tinha 1,80m de altura e era corpulento. E ele morava no que os investigadores acreditavam ser o ponto ideal para se encontrar o serial killer: a área de Massapequa Park onde começava o traçado do polígono.
Um grande erro
A pista do carro, conta o promotor Ray Tierney, estava lá "desde o início". Tierney, que assumiu o caso em 2022, disse não saber por que os investigadores a ignoraram. Ele sugeriu que talvez o detalhe não tivesse sido considerado confiável ou perdera importância em meio ao que pareciam ser indícios mais promissores.
— Um grande erro foi cometido ao não rastrear este carro antes — disse Rob Trotta, ex-detetive de Suffolk.
Quando os investigadores finalmente conectaram o veículo a Heuermann a investigação entrou em sua fase mais crítica. Tanto tempo havia se passado que os dados de localização precisos do celular de Heuermann não existiam mais. Mas seus registros de cobrança mostraram a localização geral do telefone quando as ligações haviam sido feitas, posicionando-o na cidade de Nova York na mesma época em que ligações cruéis e insultuosas foram feitas a Melissa Barthelemy, outra de suas vítimas.
No entanto, ainda não havia como provar nada.
O avanço da ciência e a prova final
Nos primeiros dias da investigação, pelo menos cinco fios de cabelo foram colhidos das vítimas, ou presos à manta ou à fita adesiva que as envolvia. Mas foram considerados inadequados para análises detalhadas de DNA. De lá pra cá, a ciência forense avançou, e, nos últimos três anos, dois laboratórios conseguiram gerar relatórios completos de DNA daquelas amostras. Três delas eram provavelmente da esposa do assassino, mas uma tinha quase 100% de chances de ser dele.
Agora os investigadores precisavam de material genético de Heuermann. Em julho passado, um detetive disfarçado vasculhou seu lixo reciclado em busca de garrafas vazias. Em janeiro, o suspeito de ser um serial killer jogou uma caixa de pizza na lata de lixo que fica na calçada à frente de seu escritório em Manhattan. Foram as crostas largadas para trás que, finalmente, deram aos investigadores o que precisavam.
Buscas no Google
Os policiais enfim acreditavam ter evidências diretas ligando Heuermann aos assassinatos. Mas também sabiam de outra coisa: o suspeito estava vasculhando a internet em busca de informações sobre o que os investigadores estavam fazendo. As pesquisas vinculadas às suas contas anônimas incluíram mais de 200 consultas nos últimos 16 meses sobre serial killers em geral e a investigação sobre as vítimas de Gilgo Beach especificamente.
Terminava assim, com duas palavras, uma perseguição de 12 anos.
(Com informações do New York Times)
Fonte: O GLOBO
Em 2011, 11 corpos haviam sido encontrados no meio da vegetação rasteira ao redor da praia de Gilgo, um trecho remoto de areia de 8km na costa nova-yorkina. Quatro mulheres tinham sido amarradas com fita adesiva ou cintos. Ou enroladas em mortalhas com padrão de camuflagem. Todas trabalhavam como garotas de programa e desapareceram após irem atender um cliente.
Uma das primeiras descobertas foi a de que cada uma delas, pouco antes de desaparecer, ligou para um celular descartável diferente. Os investigadores determinaram então que, durante o dia de trabalho, alguns destes telefones foram utilizados naqueles dias em uma área específica do coração de Manhattan, perto da Penn Station. Durante a noite, eles seguiam emitindo sinais na região delimitada.
Heuermann morava em uma rua tranquila exatamente onde os investigadores esperavam encontrá-lo. O suspeito de ser um serial killer foi acusado de três dos assassinatos, dos quais se declarou inocente, e foi apontado como o principal suspeito no quarto.
A prisão pode ter encerrado anos de angústia das famílias das vítimas. Mas a investigação também levantou questão inquietante: as autoridades não poderiam ter resolvido o caso — que já dura uma década — anos antes? Um novo Comissário de Polícia e sua força-tarefa levaram apenas seis semanas para descobrir uma pista crucial no extenso arquivo do caso.
Descobertas sombrias
A suspeita de que um serial killer estava atuando em Long Island começou em dezembro de 2010, quando um policial de Suffolk, John Mallia, e seu parceiro canino, o pastor alemão Blue, tentavam encontrar Shannan Gilbert, de 24 anos, que havia desaparecido. No entanto, a dupla acabou encontrando quatro corpos perto da praia de Gilgo.
Parecia haver alguma ligação entre os corpos — todos de mulheres na casa dos 20 anos que haviam desaparecido nos quatro anos anteriores. Os investigadores presumiram que elas haviam sido mortas pelo mesmo homem, em parte devido à maneira como os corpos foram "embrulhados" e à proximidade em que se encontravam.
'Um ogro'
A última das quatro a desaparecer foi Amber Costello, de 27 anos. Pouco antes de ser vista pela última vez, em setembro de 2010, um provável cliente a chamou de um celular descartável e a visitou em sua casa, na localidade de West Babylon. Ele dirigia um veículo com visual singular: SUV na frente, picape atrás. O motorista era igualmente distinto: corpulento, na casa dos 40 anos, com cabelos escuros e espessos e óculos no estilo dos anos 1970. Uma testemunha o descreveu como "um ogro".
Assim que pagou a Costello, uma cena caótica se desenrolou. Um homem "fingindo ser um namorado indignado" entrou correndo. Era parte de um estratagema para lhe roubar dinheiro. Assustado, o homem saiu correndo da casa.
Mas ele não sumiu por muito tempo. Mandou uma mensagem para Costello pedindo "crédito para a próxima vez" e marcou novo encontro. Costello foi vista viva pela última vez na noite seguinte, saindo de sua casa, aparentemente para encontrar este mesmo homem.
Não muito tempo depois, uma testemunha relatou ter visto um caminhão escuro passando na área, mas a descrição do veículo na entrada da garagem acabou perdida no arquivo do caso por anos a fio como se fosse um detalhe sem importância. Não era.
Peneirando os Sinais
Entra em cena o novo chefe da polícia de Suffolk, Tim Sini, que redobrou os esforços para resolver o caso. Ex-promotor federal em Manhattan, ele se concentrou em rastrear os tais celulares descartáveis, em busca de mais pistas a serem obtidas. Em meados de 2016, obteve uma ordem judicial para ter informações detalhadas de todos os telefones que se conectavam a torres específicas em uma determinada janela de tempo naquela região.
De repente, um suspeito
A grande oportunidade se deu em março do ano passado. Apenas algumas semanas após a formação de uma força-tarefa, um investigador encontrou a descrição da testemunha do carro no arquivo do caso. Usando um banco de dados capaz de pesquisar veículos por marca e modelo sem números de placas, o investigador encontrou o Chevrolet Avalanche de Heuermann em 2010, ano em que Costello desapareceu.
O nome do dono do carro nunca aparecera anteriormente na investigação como suspeito. Mas sua descrição física combinava com a do "ogro" que saiu correndo da casa: tinha 1,80m de altura e era corpulento. E ele morava no que os investigadores acreditavam ser o ponto ideal para se encontrar o serial killer: a área de Massapequa Park onde começava o traçado do polígono.
Um grande erro
A pista do carro, conta o promotor Ray Tierney, estava lá "desde o início". Tierney, que assumiu o caso em 2022, disse não saber por que os investigadores a ignoraram. Ele sugeriu que talvez o detalhe não tivesse sido considerado confiável ou perdera importância em meio ao que pareciam ser indícios mais promissores.
— Um grande erro foi cometido ao não rastrear este carro antes — disse Rob Trotta, ex-detetive de Suffolk.
Quando os investigadores finalmente conectaram o veículo a Heuermann a investigação entrou em sua fase mais crítica. Tanto tempo havia se passado que os dados de localização precisos do celular de Heuermann não existiam mais. Mas seus registros de cobrança mostraram a localização geral do telefone quando as ligações haviam sido feitas, posicionando-o na cidade de Nova York na mesma época em que ligações cruéis e insultuosas foram feitas a Melissa Barthelemy, outra de suas vítimas.
No entanto, ainda não havia como provar nada.
O avanço da ciência e a prova final
Nos primeiros dias da investigação, pelo menos cinco fios de cabelo foram colhidos das vítimas, ou presos à manta ou à fita adesiva que as envolvia. Mas foram considerados inadequados para análises detalhadas de DNA. De lá pra cá, a ciência forense avançou, e, nos últimos três anos, dois laboratórios conseguiram gerar relatórios completos de DNA daquelas amostras. Três delas eram provavelmente da esposa do assassino, mas uma tinha quase 100% de chances de ser dele.
Agora os investigadores precisavam de material genético de Heuermann. Em julho passado, um detetive disfarçado vasculhou seu lixo reciclado em busca de garrafas vazias. Em janeiro, o suspeito de ser um serial killer jogou uma caixa de pizza na lata de lixo que fica na calçada à frente de seu escritório em Manhattan. Foram as crostas largadas para trás que, finalmente, deram aos investigadores o que precisavam.
Buscas no Google
Os policiais enfim acreditavam ter evidências diretas ligando Heuermann aos assassinatos. Mas também sabiam de outra coisa: o suspeito estava vasculhando a internet em busca de informações sobre o que os investigadores estavam fazendo. As pesquisas vinculadas às suas contas anônimas incluíram mais de 200 consultas nos últimos 16 meses sobre serial killers em geral e a investigação sobre as vítimas de Gilgo Beach especificamente.
Terminava assim, com duas palavras, uma perseguição de 12 anos.
(Com informações do New York Times)
Fonte: O GLOBO
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