Exército ucraniano promove treinamentos de soldados na linha de frente para continuar capacitações paralisadas e compensar baixas no conflito

No início da manhã, eles estavam em suas posições na linha de frente da guerra na Ucrânia, disparando artilharia contra as forças russas. Horas depois, usando os mesmos uniformes e coletes à prova de balas, eles passaram em seu teste final — uma pista de obstáculos — para se tornarem oficialmente fuzileiros navais ucranianos.

Correndo por poças e lama, escalando sob arame farpado e atravessando valas antitanque simuladas, eles gritavam: "Glória à Ucrânia!" e "Eu amo os fuzileiros navais!" Os comandantes davam ordens e os mandavam fazer flexões. Quando terminaram, eles se amontoaram em caminhonetes e voltaram para o front para se juntar à contraofensiva da Ucrânia no sul do país.

O Exército ucraniano, num esforço para repor suas fileiras em meio à guerra, treina soldados e os submete a testes de qualificação mesmo depois de serem enviados para a frente de batalha. A pista de obstáculos pela qual os fuzileiros navais passaram em uma tarde quente de verão recentemente foi um exemplo: construída a poucos quilômetros do combate real, incluindo os mesmos tipos de trincheiras, bunkers e arame farpado usados na guerra contra a Rússia.

Os recrutas da 36ª Brigada de Fuzileiros Navais foram retirados da linha de frente para realizar o curso. Para participar, precisavam ter pelo menos três meses de experiência em combate. Muitos do primeiro grupo de 40 artilheiros tinham mais do que isso.

— Já estou lutando há oito meses e o tempo todo nas partes mais difíceis do front — disse o tenente Arseniy, que, como outros entrevistados para este artigo, pediu para ser identificado apenas por seu primeiro nome e posto por motivos de segurança.

Embora fosse comandante de um pelotão de artilharia, ele ainda não havia se qualificado para usar a boina da marinha.

Sujos de lama e exaustos, os homens, no entanto, estavam de bom humor, cumprimentando-se uns aos outros antes de correr o percurso.

— Chegou o dia em que vocês poderão mostrar que são verdadeiros fuzileiros navais — disse aos candidatos o major Nazariy Tofan, que estava ajudando a liderar o treinamento. — Vocês devem se lembrar dessa corrida pelo resto de suas vidas.

Enquanto a Ucrânia luta ao longo de centenas de quilômetros de linha de frente em uma guerra que já dura 17 meses e não mostra sinais de abrandamento, ela precisa substituir os soldados mortos e continuar treinando aqueles que foram enviados sem concluir a preparação formal. 

A 36ª Brigada de Fuzileiros Navais lutou na cidade de Mariupol, no sul do país, depois que a Rússia iniciou sua invasão em grande escala no inverno passado, resistindo por semanas em uma fábrica de aço que foi implacavelmente atacada pelas forças de Moscou.

Muitos morreram ou ficaram feridos, e mais de mil foram capturados. O ex-comandante da brigada ainda é prisioneiro de guerra na Rússia.

Apenas cerca de 200 fuzileiros navais escaparam do cerco. Os sobreviventes foram redistribuídos para lutar na região sul de Kherson e novas tropas foram convocadas. A 36ª está agora com o tamanho típico de uma brigada, cerca de 4 mil fuzileiros navais.

A pista de obstáculos foi projetada para simular o mais próximo possível as condições reais de combate. Granadas de fumaça e fogos de artifício explodiram. Houve uma emboscada. Outros fuzileiros navais dispararam balas de festim e gritaram com os candidatos.

O soldado Serhiy, 54 anos, começou a ficar para trás. Um médico veio checá-lo, descobriu que ele tinha pressão alta e aplicou uma injeção. Ele não foi aprovado no curso.

— Esta guerra não é mais para mim — disse ele.

— Não é para nenhum de nós na Ucrânia — respondeu o médico.

Os outros candidatos continuaram correndo, lutando na lama e queimando pneus. Quando o percurso terminou, 39 dos 40 haviam se classificado.

Depois que outros grupos concluíram o desafio, foi realizada uma cerimônia na qual os novos fuzileiros navais fizeram seu juramento — de serem corajosos e não deixarem seus irmãos de armas para trás — e receberam suas boinas. Em seguida, eles voltaram para o front.


Fonte: O GLOBO