China e Rússia pretendem usar ampliação do bloco para elevar sua força geopolítica, para desespero do Brasil e da Índia, que defendem um congelamento dos membros

Acrônimo formado pelas iniciais de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o Brics nunca fez tanto sucesso e se prepara para sua próxima cúpula — no próximo dia 22 de agosto, na cidade sul-africana de Johanesburgo — com uma fila de duas dezenas de países à espera de entrar. 

Oficialmente, 13 nações pediram adesão, entre os quais Argentina, Cuba, Irã, Arábia Saudita, Egito e Indonésia, atrás de financiamento e oportunidades comerciais. A China, maior economia do grupo, e a Rússia pretendem usar a ampliação do clube para elevar sua força geopolítica, para desespero do Brasil e da Índia, que defendem um congelamento do bloco.

O Brics corresponde a 26% do PIB mundial e a 40% dos habitantes do planeta — enquanto o G7 a 49% e 10%, respectivamente—, e nem o fato de um dos integrantes estar em guerra e sob sanções internacionais diminui a cobiça dos candidatos. A principal atração é o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês, mas conhecido no Brasil como Banco do Brics), comandado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

No mês passado, a presidente de Honduras, Xiomara Castro, publicou fotos sorridentes nas redes sociais ao lado Dilma em Xangai, onde fica a sede do banco. A hondurenha foi apresentar o pedido formal de adesão do país à instituição fundada em 2014. Bangladesh, Emirados Árabes e Egito entraram na instituição de desenvolvimento em 2021, enquanto o já aprovado Uruguai será formalizado em breve.

Uma candidata de peso, a Arábia Saudita, também está em conversas com o banco, segundo o jornal Financial Times. A entrada do segundo maior produtor de petróleo do mundo poderá ampliar significativamente as capacidades de financiamento da instituição, que habita os sonhos da quebrada Argentina — uma investida que analistas acreditam que teria pouquíssimas chances de sucesso.

'Molhadinha no caixa'

De acordo com um importante interlocutor do governo brasileiro, não há problema em aumentar o número de integrantes do banco, desde que quem estiver interessado "dê uma molhadinha" no caixa, ou seja, coloque dinheiro. O Brasil, porém, é contra a expansão do Brics como um todo e conta com o apoio da Índia para frear a expansão.

— Há entraves que dificultam a expansão do bloco. Questões ambientais e até geopolíticas fazem com que o Brics tenha dificuldades em ampliar o escopo de atuação — afirma Cristopher Mendonça, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, que não vê vantagens do ponto de vista brasileiro. — A entrada de outros países no bloco não é algo bom para o Brasil, uma vez que o protagonismo de seus membros será diluído entre os novos aderentes.

Já a China defende com vigor o aumento do tamanho e a diversificação do Brics.

— Há um interesse da China, tanto do lado do Brics quanto no NDB, em ampliar esses espaços multilaterais onde ela é a potência dominante, onde tem zona importante de influência — diz a diretora do Brics Policy Center, Ana Garcia.

Garcia lembra que o crescimento do bloco político é um processo separado e de natureza distinta da ampliação de uma instituição como o NDB:

— O aumento da quantidade de membros vai permitir que o banco receba mais depósitos e possa expandir sua área de atuação. Como ele é um banco que responde ao mercado, não é um banco político, ele quer atuar em mais lugares — explica Garcia, lembrando que o NDB só financia projetos de seus países-membros. — É uma instituição pequena ainda frente a outras regionais e ao Banco Mundial e, ao mesmo tempo, tem de fazer isso de um modo responsável.

O ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) Otaviano Canuto afirma que, no caso de qualquer banco plurinacional de desenvolvimento, mais sócios significam mais capital e maior abrangência geográfica de projetos financiados. Importa muito o prêmio de risco cobrado pelos mercados para comprar títulos desses bancos, porque, na verdade, a função do capital é alavancar essa captação de recursos.

— O Banco Mundial, por exemplo, empresta um montante que corresponde a cinco vezes seu capital. Faz isso captando recursos no mercado a taxas próximas das do Fed (Banco Central americano) — disse.

Para o governo brasileiro, mesmo quando se pensa apenas na ampliação do bloco de países, o movimento terá de ser consensual, o que pode não acontecer.

— Se começar a entrar todo mundo, vira uma assembleia de condomínio — afirma um importante interlocutor do governo.

Alternativa ou rival

A narrativa institucional apresenta o NDB como uma alternativa complementar aos bancos multilaterais e regionais de fomento já existentes – principalmente o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid). Ele não empresta dinheiro, por exemplo, para recuperar economias em crise, como faz o FMI. É uma fonte para empréstimos, financiamentos e assistências técnicas para projetos, especialmente nas áreas de infraestrutura e desenvolvimento sustentável.

O banco do Brics já aprovou 98 projetos no valor total de US$ 33,2 bilhões, sendo a maior parte para a Índia, seguida por China e Brasil. Segundo a instituição, há um portfólio robusto e diversificado de projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável. No Brasil, foram 22 projetos aprovados, com financiamentos de aproximadamente US$ 6,2 bilhões.

Na época da fundação, o capital subscrito inicial do banco era de US$ 50 bilhões, havendo autorização para chegar a US$ 100 bilhões. As contribuições foram divididas de forma igualitária entre os cinco países que compõem o Brics: US$ 10 bilhões cada.

Já o Banco Mundial — que, como o FMI, consolidou-se na Europa pós-Segunda Guerra e depois se voltou para economias em desenvolvimento — é criticado pela falta de representatividade e pelos critérios de concessão de empréstimos pautados por interesses de países ricos, com os EUA tendo o maior poder de voto e veto.

Em termos de tamanho, o banco do Brics ainda está longe de potenciais concorrentes. O Banco Mundial, por exemplo, desembolsou US$ 60 bilhões aos seus 189 membros em 2021.No mesmo ano, o NDB aprovou 10 projetos e desembolsou US$ 7,6 bilhões.

— Será que não estão todos competindo no mesmo mercado? A verdade é que as necessidades, tanto de infraestrutura quanto da agenda de sustentabilidade, parecem ser muito maiores do que a agenda existente, então, parece haver espaço para todos esses bancos, inclusive o NDB — diz Ricardo Barboza, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

No discurso da primeira reunião anual como presidente do NDB, em maio, Dilma disse que a ampliação do número de integrantes faz parte de uma estratégia de buscar uma composição mais diversa dentro da instituição. Uma estratégia será o banco captar recursos no mercado nacional dos países-membros e emprestar inteiramente na mesma moeda.

— É um banco que fica numa corda-bamba, pois tem de ter credibilidade de mercado e precisa responder aos anseios dos fundadores. Tem ali uma linha tênue e vai passar por mudanças na medida que seus fundadores queiram — afirma Garcia, do Brics Policy Center.


Fonte: O GLOBO