Com ausência de presidentes de Uruguai e Paraguai, os críticos regionais mais contundentes do chavista, governo vê oportunidade para incorporar venezuelano na integração sul-americana

Depois da tensão causada pela presença do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, na cúpula de chefes de Estado sul-americanos realizada em Brasília no final de maio, o governo brasileiro trabalha com uma agenda ambiciosa para a cúpula de países amazônicos, no dia 8 de agosto, em Belém, na qual também é esperada a presença do venezuelano. 

Na visão de fontes do governo Lula, a relevância do encontro e tudo o que nele será discutido — e está sendo preparado a todo vapor pelos oito países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) — criarão um ambiente menos hostil para Maduro, o que poderia facilitar a reaproximação de seu governo com os vizinhos.

Apesar das críticas e do custo político que Lula está pagando por sua posição favorável a Maduro, o governo está firme na decisão de não apenas recompor a relação com o chavista, mas também promover uma retomada da integração sul-americana. Na ausência dos críticos mais acirrados do líder chavista — como o uruguaio Luis Lacalle Pou e o paraguaio Mario Abdo Benítez — a cúpula de Belém será, na visão de fontes governistas, uma oportunidade de normalizar a convivência de Maduro com pelo menos parte da região.

Declaração conjunta

Os presidentes dos oito países que integram a OTCA (Brasil, Venezuela, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Guiana e Suriname) estarão em Belém, e seus governos estão trabalhando — segundo fontes brasileiras, sem estresse — na elaboração de uma grande declaração, que pretende ser o ponto de partida de um processo de integração regional considerado histórico e fundamental pelo Brasil. 

O Planalto e o Itamaraty elaboraram uma proposta de declaração, que está sendo avaliada pelos outros sete países, e a discussão, que só deverá terminar na sede da cúpula, poucos dias antes do encontro, inclui uma enorme lista de temas, entre eles mudanças climáticas, segurança alimentar e nutricional, cooperação policial e de inteligência, o fortalecimento da OTCA (que será a peça institucional do processo de integração), cidades amazônicas e desmatamento — não apenas ilegal.

Os pontos da declaração foram conversados pelos presidentes Lula e Gustavo Petro, da Colômbia, em encontro realizado no fim de semana passado na cidade colombiana de Leticia, na fronteira com o Brasil. A reunião foi realizada a pedido dos colombianos, numa bilateral entre os dois chefes de Estado, após a cúpula sul-americana. 

Em Bogotá, existia a expectativa de que a cúpula amazônica fosse convocada por ambos os países, juntos. Mas Lula já havia antecipado a iniciativa na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP) realizada no ano passado no Egito. 

Superado um clima de mal-estar por parte dos colombianos, confirmado por fontes do governo Petro, os dois presidentes conversaram em Leticia e, segundo fontes dos dois governos, metade da declaração de Belém já está pronta. Falta a outra metade, e todas as emendas que deverão ser incorporadas a pedido dos outros seis membros.

Apesar do afastamento do Brasil de Jair Bolsonaro da Venezuela de Maduro, o governo chavista nunca saiu da OTCA, único organismo multilateral com sede no Brasil, e participou de decisões técnicas.

— Nos últimos anos, avançamos muito. Temos diversos programas sobre biodiversidade, florestas, inclusive um projeto de mapeamento dos aquíferos de toda a região amazônica, entre muitos outros — explica o embaixador Carlos Alfredo Lazary Teixeira, diretor da organização.

Observatório da Amazônia

Ele trabalha junto à atual secretária-geral, a boliviana María Alexandra Moreira López. Ambos estiveram no encontro em Leticia e estarão na cúpula de Belém. Com a chegada de Lula ao poder, a OTCA — criada em 1995, com base no Tratado de Cooperação Amazônica, de 1978 — virou peça-chave do projeto de recuperação da imagem do Brasil no exterior, como país preocupado e dedicado à proteção do meio ambiente. Em Leticia, o presidente Lula disse que “não temos dado à OTCA a atenção que ela merece. A cúpula de Belém será um momento de correção de rota”.

No mesmo discurso, o presidente antecipou pontos importantes da declaração de Belém como “a promoção do Observatório Regional da Amazônia, que vai sistematizar e monitorar dados de todos os países para orientar políticas públicas e torná-las mais eficazes”. Lula mencionou a Sala de Situação do Observatório, que funciona na sede da OTCA em Brasília, e produz, em tempo real, boletins e alertas sobre secas, cheias, chuvas, incêndios e contaminação das águas.

Uma das metas do Brasil para a cúpula é criar um comitê de especialistas da Amazônia, inspirado no Painel Intergovernamental Sobre Mudança do Clima (IPCC) da ONU, ou seja, ter um IPCC dos países amazônicos.

Na visão de especialistas como Carlos Nobre, referência mundial quando o assunto é mudanças climáticas, “todos temos uma expectativa positiva sobre a cúpula”. Em Belém espera-se que os países se comprometam não só a trabalhar juntos e ter posições comuns perante o mundo, mas, também, a redobrar as pressões aos países mais desenvolvidos sobre a necessidade de receber financiamento para a proteção do meio ambiente.

— Grande parte dos recursos já anunciados são empréstimos, e não doações para os países em desenvolvimento. Os países ricos devem contribuir mais — frisa Nobre, que também participa dos debates sobre a declaração de Belém.

Busca de financiamento

Para ele, que lembrou que na COP26, realizada em 2021 na Escócia, todos os países da OTCA assinaram o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, menos a Venezuela, “a cúpula precisa criar um caminho pragmático de busca de financiamento”.

Nobre disse estar de acordo com uma proposta feita por Petro no encontro de Leticia, sobre não fechar novos acordos de exploração petrolífera a partir de 2030. A Colômbia pretende incorporar esse ponto à declaração.

— Seria bom que Lula concordasse com Petro — aponta o especialista.

Na visão do líder ambientalista Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, em Belém a questão do financiamento dos países amazônicos será central.

— A cúpula terá enorme simbolismo político, mas o sucesso vai depender do conteúdo consistente que estará sobre a mesa. Esse novo bloco deve ir pra cima dos países desenvolvidos para pedir dinheiro e acabar com o desmatamento. O Brasil está entregando resultados, e a cobrança vai crescer — afirma Astrini.

Não foi confirmada a presença na cúpula do presidente da França, Emmanuel Macron, convidado pelo Brasil. Estarão em Belém altos representantes da Indonésia, República Democrática do Congo e República do Congo, países com florestas e interesses em comum com os amazônicos.


Fonte: O GLOBO