As duas empresas, juntas, têm 30% do mercado atualmente

Duas décadas depois de anunciar a compra da Garoto, a Nestlé conseguiu ontem o aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) à operação. 

Em fevereiro de 2002, quando o negócio foi anunciado, o chocolate do momento da Nestlé era o Chokito, do leite condensado, caramelizado, com flocos crocantes, e o hit da Garoto na memória do consumidor era o mantra “compre Baton”, da campanha que se popularizou na TV.

Em um caso que se tornou emblemático no Direito Concorrencial, com idas e vindas na Justiça, a operação foi aprovada, com recomendações para proteger o mercado de chocolates no país.

Desde então, o mercado de chocolate passou por uma mudança substancial. Além da disputa nas gôndolas, novas marcas entraram no país e passaram a explorar nichos de mercado, com produtos com percentual maior de cacau, chocolate vegano e rosa, entre outros.

Em 2004, quando o Cade vetou a operação, a participação de mercado de Nestlé e Garoto juntas era de mais de 58%. Hoje, estima-se que as duas marcas fiquem com cerca de 30% de participação.

Mudanças na lei

A legislação vigente no começo dos anos 2000 previa que os julgamentos do órgão de defesa da concorrência ocorriam depois que os negócios eram fechados entre as empresas. Isso mudou com uma lei em 2012, que criou a análise prévia de atos de concentração no país.

Em 2005, o caso foi parar na Justiça. Desde então, o assunto vinha sendo analisado pelo órgão de defesa da concorrência. Em 2021, a análise da operação foi retomada pelo Cade com base em decisão judicial anterior.

Em 2017, o órgão chegou a fixar um prazo com recomendação para a venda de um pacote de marcas, que incluía Chokito, Serenata de Amor, Lollo e Sensação. A venda não foi feita.

O aval conquistado ontem, porém, inclui recomendações para evitar que o mercado fique excessivamente concentrado adiante. A Nestlé não poderá adquirir no Brasil empresa com fatia igual ou maior que 5% do mercado ao longo de cinco anos, entre outras restrições.

— É um caso icônico, mais de 20 anos. Foi uma solução consensual. Nenhuma (das condições estabelecidas) preocupa. São condições que assumimos e avaliamos internamente para poder

cumpri-las de maneira responsável — disse o vice-presidente jurídico e de assuntos públicos da Nestlé Brasil, Gustavo Bastos.

Com o aval do Cade, as duas marcas, que seguem com identidade separada, vão continuar a investir em inovação, renovação de portfólio e tecnologia. A meta é investir mais de R$ 430 milhões em 2023 e 2024 na marca Garoto, com foco na modernização e na ampliação da unidade de Vila Velha, além da instalação de linhas de produção para lançamentos em novas categorias.

Nos últimos anos, os lançamentos da Garoto ficaram em compasso de espera, segundo uma fonte ligada ao mercado.

A Garoto tem hoje presença maior nas regiões Nordeste e Sul, além de exportação para outros países. Já a Nestlé tem maior predominância nas regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste.

Consumo de experiências

Para a Superintendência-Geral do Cade, a rivalidade no mercado nacional de chocolates foi reconfigurada nos últimos 20 anos. E, em razão disso, não faria sentido manter a decisão de reprovação do negócio. “Esta ideia é reverberada na percepção de mercado de que os impactos da fusão Nestlé/Garoto já foram absorvidos pelo mercado ao longo destes anos”, aponta o parecer.

Especialistas lembram que o mercado viu o avanço de marcas como Cacau Show, Dengo, Lugano, Kopenhagen e Nugali, entre outros, nos últimos anos. O consumo passou a ser associado à venda de experiências, com espaços que associam o produto a cafés, chás e harmonização com outros alimentos.

Alguns especialistas traçam um paralelo entre o comportamento do mercado de chocolate e o de cerveja, no qual rótulos artesanais conquistaram uma fatia do mercado. A Lugano, por exemplo, tem 150 pontos de venda no país e tem como meta abrir 250 espaços até o fim do ano.

— O mercado de chocolates mudou muito. O consumidor quer experiência. Hoje, o consumidor que consome chocolate regularmente quer ainda produtos mais saudáveis, com menos açúcar. Marcas de cidades menores do Brasil vêm crescendo com força ano após ano — diz o consultor Ricardo Nogueira.

De acordo com a consultoria Euromonitor, o consumo de chocolates no Brasil atingiu R$ 22 bilhões em 2022, alta de 18% sobre o ano anterior (valores nominais), com a venda de 336 mil toneladas (crescimento de 7%).

Mas mudanças no mercado à parte, Nestlé e Garoto são donas de produtos famosos, que fazem parte da cesta de compras ou da memória afetiva do consumidor. A Garoto tem no seu portfólio Baton, Serenata de Amor, Caribe e Crocante. A Nestlé tem chocolates como Alpino, Charge, Chokito, Crunch, Galak, KitKat e Prestígio.

— Nestlé e Garoto são empresas com vendas concentradas em supermercados. Hoje, o consumidor precisa ser estimulado a novas ocasiões de consumo. Mas, por outro lado, elas construíram rótulos fortes e se mantêm vivas na cabeça dos consumidores — afirmou a consultora Maria Custódio, da MC Consulting.

A Nestlé tem hoje 15 fábricas localizadas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco e Rio de Janeiro, além de uma em construção em Santa Catarina. São 20 mil funcionários. A Garoto conta com uma fábrica, localizada em Vila Velha, no Espírito Santo, e mais de 2 mil colaboradores.

Para evitar chocolate concentrado

A aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) incluiu uma série de condicionantes ou remédios para preservar a concorrência no mercado brasileiro de chocolates.
  • A Nestlé não poderá adquirir no Brasil, por cinco anos, ativos com fatia igual ou maior que 5% do mercado. A regra não se aplica a aquisições internacionais.
  • A empresa deverá comunicar ao Cade, por um período de sete anos, qualquer aquisição, mesmo que a participação de mercado da empresa comprada seja inferior a 5%.
  • A Nestlé deverá manter a produção na fábrica da Garoto em Vila Velha, no Espírito Santo, por no mínimo sete anos.
  • A Nestlé, ao longo de sete anos, não poderá intervir ou participar de ação visando alterar tributos de importação, dificultar o livre comércio internacional de chocolates ou criar “barreiras ilícitas” que prejudiquem a entrada de novas empresas no mercado.

Fonte: O GLOBO