Pré-venda para novos shows no Brasil começa hoje. Empresas que comercializam ingressos são alvo de investigação do MP e de ações na Justiça

A batalha para conseguir um ingresso para os shows da cantora americana Taylor Swift, que se apresentará em São Paulo e no Rio em novembro, trouxe à tona problemas antigos, mas recorrentes: o “cambismo” e o mercado paralelo de ingressos, que se potencializaram com as vendas on-line. São frequentes as reclamações relativas ao esgotamento de ingressos em poucos minutos de venda, com a imediata oferta de bilhetes em sites de venda paralelos, por preços bem acima dos oficiais.

As empresas de venda de ingressos têm sido alvo frequentes de autoridades e órgãos de defesa do consumidor. Apenas no Ministério Público do Rio (MPRJ) há sete inquéritos em curso. E no portal Consumidor Vencedor, que reúne causas ganhas, há seis ações civis públicas de promotorias de diferentes estados.

As causas vão da polêmica taxa de conveniência a cobranças extras por entrega, além de descumprimento da lei de meia entrada, dificuldade de reembolso por shows cancelados e por aí vai. Hoje, começa a pré-venda dos novos shows da Taylor Swift e fãs temem que a história se repita.

— Temos visto problemas se repetirem nas vendas de ingressos on-line. E as questões acabam se tornando nacionais, grandes eventos atraem consumidores de diversos estados — explica Christiane Cavassa, coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor do MPRJ.

Promotorias do Rio e de São Paulo já abriram inquérito sobre a venda de ingressos de Taylor Swift. Os Procons dos dois estados também já notificaram a Ticket for Fun (T4F), responsável pela comercialização dos bilhetes do show.

Rodrigo Tritapepe, diretor de Atendimento e Orientação do Procon-SP, teme que os problemas se repitam a partir de amanhã, na venda do novo lote de ingressos para a apresentação da americana:

— Não vemos evolução nesse mercado. Já estamos discutindo internamente a possibilidade de criação de uma câmera técnica para discutir mecanismos de prevenção de cambistas e de melhorar a prestação de serviço ao consumidor. As empresas têm de assumir suas responsabilidades.

Fãs desapontados

Fãs de Taylor Swift acusam as empresas de vendas de reservarem ingressos para cambistas e reclamam de ameaças desses compradores nas filas físicas. O mesmo tipo de queixa ocorreu na venda de bilhetes para shows recentes de Coldplay, Harry Styles, RBD, entre outros artistas.

Em São Paulo, o Ministério Público já investiga a Eventim, que vende os ingressos da tour Soy Rebelde, e vai apurar também se a T4F permitiu o uso de robôs para compra de bilhetes.

A promotora Maria Stella Milani, responsável pela investigação, destacou que o sistema da empresa possibilita “a transferência rápida e barata da titularidade do ingresso adquirido, o que propicia a venda de tíquetes em canais não oficiais e a preços exorbitantes”. A empresa tem até 15 dias para se explicar.

O MPSP foi questionado sobre outros inquéritos para investigar a revenda de ingressos de shows no mercado paralelo, mas não respondeu.

Na Justiça paulista, não há ações civis públicas relacionadas ao tema, mas são comuns processos ajuizados por pessoas que compraram ingressos de cambistas ou em sites de revendas, como o Viagogo, e descobriram apenas no dia dos eventos que se tratava de um bilhete clonado ou falsificado.

Denúncias e preços abusivos

Na última semana, o Procon-RJ notificou a Viagogo. A autarquia quer entender qual é o grau de segurança proporcionado pela plataforma, que diz possibilitar a negociação de ingressos entre pessoas. Além disso, quer esclarecer denúncias de ingressos não entregues e preços abusivos.

Cassio Coelho, presidente do Procon-RJ, chama a atenção para o fato de a empresa não ter representantes no Brasil:

— Tentamos contato com a empresa por pessoas que se identificavam no LinkeIn como diretores e um escritório de advocacia. A empresa não tem endereço no Brasil, nenhum contato. Isso não pode.

Quando a venda de ingressos é feita em sites, a jurisprudência paulista é no sentido de condenar as plataformas, pois elas precisam garantir a procedência dos produtos ali vendidos, ainda que sejam uma espécie de marketplace em que qualquer pessoa pode vender e comprar ingressos.

Na esfera penal, a prática de vender ingressos por preços superiores aos bilhetes oficiais só era prevista como crime no Estatuto do Torcedor. A lei foi substituída pela Lei Geral do Esporte, sancionada na última quarta-feira pelo presidente Lula.

Vácuo legal

Pelo texto, é crime vender ingressos de evento esportivo por preço superior ao estampado no bilhete ou facilitar a distribuição de ingressos para essa prática, pena de dois a quatro anos. Mas a previsão só vale para eventos esportivos.

Para os casos de shows e outros eventos culturais existe um vácuo legal. Geralmente a prática é enquadrada como estelionato. Segundo promotores ouvidos pelo GLOBO, não há um consenso sobre a gravidade do “cambismo”.

Para alguns juízes e procuradores, o ato é considerado apenas contravenção penal, o que é punível muitas vezes com multa ou prisão por um curto período. Já para outros, é considerado crime. No entanto, é difícil provar o delito, já que a pessoa pode alegar mera revenda de ingresso.

As ações penais geralmente são endereçadas àqueles cambistas que são pegos com ingressos falsos —e neste caso, a denúncia é por estelionato ou falsificação.

Wesley Marques, de 23 anos, acampou em frente ao Allianz Parque em 11 de junho, aguardando a abertura das vendas para o show de Taylor Swift no dia seguinte. Mas saiu do local de mãos vazias e culpa os cambistas.

—Os ingressos esgotaram muito rápido, não faz sentido esgotar tão rápido sendo que só podem ser comprados quatro ingressos por CPF —reclamou.

Uma das possibilidades de apuração levantadas por Tritapepe é justamente pedir à T4F o cruzamento das vendas com os CPFs, até para verificar se houve use irregular de documentos para a aquisição dos bilhetes.

Adriana Spiess, de 32 anos, foi prejudicada por venda em mercado paralelo em 2019, quando comprou um ingresso clonado para um show de Sandy e Junior em um site de revenda de entradas.

—Ao chegar no show, a catraca não liberou o ingresso, e constataram que meu bilhete já havia sido usado—relembra Adriana, que conseguiu na Justiça o ressarcimento.

Saiba como reduzir risco e se documentar se houver problema
  • Fila virtual: na compra on-line é fundamental fazer “print” das telas de todas as fases do processo. Desde a posição em que aparece na fila até as etapas de compra.
  • Fila presencial: Rodrigo Tritapepe, do Procon-SP, recomenda que se faça foto e vídeo que sejam capazes de mostrar em que ponto da fila o consumidor está. Se houver distribuição de senha, fotografe e guarde. Outra recomendação é pegar contato de pessoas próximas na fila para ter como comprovar sua posição e ter testemunhas em caso de problemas.
  • Sites oficiais: Cassio Coelho, do Procon-RJ, recomenda que se comprem os ingressos em sites oficiais. Isso reduz riscos para o consumidor, Antes de qualquer operação, esteja certo que está no link correto.
  • Outras plataformas: é preciso redobrar o cuidado ao comprar em plataformas alternativas. Preços muito abaixo da média do mercado devem ligar sinal de alerta. Valores altos, no entanto, também não garantem a veracidade da operação. Fuja de pagamentos por Pix ou boleto, pois se for golpe não há como recuperar o dinheiro.
O que dizem as empresas

Em nota, a Eventim disse tomar medidas para evitar a revenda de ingressos no mercado paralelo, entre elas, o cadastro prévio no site. Além disso, a empresa explica que aquisição das entradas on-line e físicas é limitada e controlada pelo número do CPF. E orienta que se adquira bilhetes, exclusivamente, nos canais oficiais.

Procurada, a T4F não respondeu. O GLOBO também tentou contato com a Viaggo, por meio do escritório Mattos Filho, mas não teve retorno.


Fonte: O GLOBO