Expectativa de especialistas é de que a operação seja finalmente aprovada

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) julga, nesta quarta-feira, um caso aberto há 21 anos no setor de chocolates: a compra da Garoto, com sede em Vila Velha (ES), pela multinacional suíça Nestlé. A expectativa de especialistas ouvidos pelo GLOBO é que o Cade finalmente aprove a operação.

Antes da fusão, a Nestlé tinha 34% do mercado. Ao comprar a Garoto — que tem marcas consagradas, como Serenata de Amor e Baton — a participação da empresa subiu para 58%. Contudo, surgiram outras marcas nacionais e importadas no mercado nos últimos anos, o que deve minimizar a preocupação da área de defesa da concorrência.

— Hoje há a razoável presença de chocolate importado como Lindt e outros. Acho que há condições de aprovar a operação — afirmou Ruy Coutinho do Nascimento, ex-presidente do Cade.

Ele ressaltou que o mercado gera cerca de 34 mil empregos no país e exporta para mais de 160 países. Em sua opinião, trata-se não apenas de um caso importante para o Cade, mas também para a história do antitruste no Brasil.

Idas e vindas

A aquisição foi marcada por idas e vindas e é considerada inédita e emblemática no meio da regulação da livre concorrência. A Nestlé comprou a Garoto em 2002, mas a fusão acabou vetada pelo Cade dois anos depois. A empresa recorreu à Justiça e a decisão do Cade foi suspensa em 2005 — o que resultou na aprovação da operação.

Entretanto, a decisão foi anulada em 2009. O Cade então se comprometeu a fazer uma nova análise sobre o negócio entre as empresas.

Em 2016, a autarquia chegou a aprovar um conjunto de diretrizes sigilosas que a Nestlé deveria executar, em prazo também confidencial. Em 2018, uma decisão do Tribunal Regional (TRF) da 1ª Região determinou a reabertura do processo pelo Cade, o que ocorreu em 2021.

'Potencial enorme'

Ricardo Ruiz, professor da faculdade de ciências econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e ex-conselheiro do Cade, lembra que a aquisição foi considerada anticoncorrencial na época em que foi realizada, porque o mercado era bastante concentrado.

O veto do Cade, segundo ele, pode ter ocorrido devido ao aumento de mais de 40% do domínio que a Nestlé passou a ter em vários segmentos.

— A aquisição teve um potencial enorme para o aumento de preços de forma unilateral. Quando a Nestlé comprou a Garoto, tirou uma concorrente do mercado e os preços da Garoto passaram a ser definidos pela Nestlé. O Cade reprovou a compra, e a Nestlé foi à Justiça afirmando que o conselho agiu de forma inadequada. É o caso mais longevo do Cade e, desde então, houve uma grande quantidade de mudanças no mercado. Aquele mercado de duas décadas atrás não existe mais — disse Ruiz.

Assim como Ruy Coutinho, Ricardo Ruiz ponderou que surgiram outros concorrentes, incluindo produtores independentes, e outras marcas vieram para o Brasil. Ele enfatizou que, se fosse hoje, provavelmente não teria havido tanta polêmica.

— É uma situação estranha. Um caso reprovado há duas décadas pode ser aprovado hoje. É algo inédito — afirmou.

Julgamento emblemático

Gilvandro Araújo, sócio do Carneiros Advogados, que foi procurador e conselheiro do Cade, também considera o caso Nestlé-Garoto emblemático. A seu ver, foi um marco que contribuiu para uma alteração na lei, para que as operações de fusão e aquisição só possam ser concretizadas depois que o Cade dê o aval à operação.

Antes, a análise pelo órgão concorrencial ocorria só depois que as operações já haviam sido consumadas, como ocorreu no caso Nestlé-Garoto. A mudança se deu com a edição da Lei 12.529/2011.

— O julgamento marcado para esta semana, depois de mais de 20 anos, mostra como foi importante mudar a lei para não termos outros casos como este. Era um caso que sempre vinha à tona quando se queria mostrar a importância de o Cade autorizar previamente as operações antes de elas se concretizarem, para não gerar insegurança jurídica e a judicialização das decisões, afetando negativamente o mercado - afirmou o advogado.

Procurada, a Nestlé informou que não vai se manifestar.


Fonte: O GLOBO