É preciso evitar o ingresso precário no mercado de trabalho, reduzir a gravidez precoce não planejada, e alternativas de conciliar estudo e trabalho ou cuidados domésticos

A maioria (57%) dos brasileiros de 14 a 29 anos que não conseguiram concluir o ensino médio só foi desistir da escola aos 17 anos ou mais. O dado consta da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad-C) de 2022, divulgada há dez dias pelo IBGE. 

Qualquer indicador de abandono antes de completar a educação básica é grave, mas, do ponto de vista histórico, esses números representam uma mudança no padrão de evasão.

Os dados dessa pesquisa do IBGE são coletados a partir de entrevistas numa amostra de domicílios. Uma outra maneira de constatar esse fenômeno é por meio dos registros escolares, fonte principal das informações coletadas pelo Inep. Coerente com o IBGE, o Censo Escolar de 2022 do Inep mostra o pico da evasão hoje concentrado no ensino médio. 

Na primeira série desta etapa, chega a 8,2% dos alunos. Na série seguinte, são 7,9%. O 9º ano do fundamental também registra taxas altas (4,7%), mas, no restante do fundamental, as proporções são sempre inferiores a 3%.

Nem sempre foi assim. O Censo Escolar de 1981, por exemplo, indicava que as maiores taxas de evasão naquele ano estavam no ensino fundamental (na época, 1º Grau). O pico era registrado na 8ª série (hoje equivalente ao 9º ano), com 15% de evasão. 

Em seguida vinha a 4ª série (atual 5º ano), com 14,2%. Eram etapas de transição, do 1º para o 2º grau, ou do antigo primário para o ginásio. Na sequência, a 5ª série, com 12,4% de evasão, ainda aparecia na frente da 1ª série do 2º grau (hoje ensino médio), com 11,8%.

O que esses números revelam é que o brasileiro hoje permanece mais tempo na escola. É isso que ajuda a explicar por que a taxa de jovens de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio deu um salto de 14% para 75% entre 1985 e 2022. Do ponto de vista da evolução histórica, é um avanço significativo. 

Mas o retrato do presente segue preocupante e insatisfatório, se considerarmos que um em cada quatro brasileiros dessa faixa não frequenta a etapa adequada, estando alguns ainda atrasados no fundamental, e outros já evadidos.

Por isso é importante olhar com lupa outro dado da Pnad-C: os motivos que levaram os jovens de 14 a 29 anos sem ensino médio completo a terem abandonado os estudos. Diferentemente do que ocorria no passado, a falta de vagas não é mais o principal obstáculo, respondendo em 2022 por apenas 3% das razões. 

A mais citada hoje é a necessidade de trabalhar, com 40% das respostas (52% para homens, 24% entre mulheres), seguido do desinteresse pelo estudo (25% em geral, sem grande diferença por sexo) e da gravidez ou necessidade de cuidar de pessoas e afazeres domésticos (14% no total), este sim um dado profundamente marcado pela desigualdade de gênero, sendo a principal causa (33%) entre mulheres.

Esses números trazem um diagnóstico já bastante conhecido dos especialistas, mas que não se traduz ainda em políticas públicas adequadas. 

Melhorar a qualidade do ensino é extremamente relevante, mas, para combater a evasão, é preciso pensar também em ações multissetoriais, que evitem o ingresso precário no mercado de trabalho, reduzam a gravidez precoce não planejada, e ofereçam alternativas de conciliar estudo e trabalho ou cuidados domésticos para quem ainda não têm outra opção. Ou seja, a escola é muito importante, mas não basta olhar apenas ela.


Fonte: O GLOBO