Proibição de explorar ‘novo pré-sal’ na Foz do Amazonas deve se ampliar para outras áreas da chamada Margem Equatorial e expõe divisão no governo Lula

A decisão do Ibama de negar a licença para perfuração de um poço em um bloco de petróleo próximo da foz do Rio Amazonas limita os planos da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia (MME) de produzir óleo e gás na chamada Margem Equatorial, uma extensa área no litoral norte do país vista como o “novo pré-sal”. O órgão ambiental, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), analisa outros 21 pedidos de licença para exploração na região.

Integrantes do Ibama ouvidos pelo GLOBO avaliam que todas as áreas associadas à chamada Foz do Amazonas, inclusive aquelas mais distantes do ponto em que o rio deságua no mar, são sensíveis. Para técnicos do órgão, somente licenças na Bacia Potiguar, onde já há atividade petrolífera, devem ser aprovadas com facilidade.

A Margem Equatorial abrange áreas de exploração e produção de petróleo e gás em várias bacias marítimas próximas à Linha do Equador: Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar. Ela se estende de Oiapoque (AP), no extremo norte do país, ao litoral do Rio Grande do Norte.

Em decisão assinada pelo seu próprio presidente, Rodrigo Agostinho, anteontem, o Ibama negou a licença especificamente para um poço a cerca de 160 quilômetros da costa do Oiapoque e a 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas.

O objetivo era comprovar a viabilidade econômica da produção de petróleo na região. O plano, no entanto, sofre oposição de ambientalistas pelo risco ao meio ambiente.

Banca do Amapá critica decisão

A decisão do Ibama acirrou divergências entre políticos da base do governo Lula. Políticos ligados ao Amapá, um dos estados que seriam beneficiados por investimentos da Petrobras na região, vão tentar reverter a decisão do Ibama, que é subordinado à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela já havia manifestado preocupação com o assunto.

Com a negativa do Ibama, a Petrobras informou na quinta-feira que a sonda e os demais recursos mobilizados na região do bloco na Foz do Amazonas seriam “direcionados para atividades da companhia nas bacias da Região Sudeste” nos próximos dias. No entanto, mais tarde, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enviou um ofício à Petrobras pedindo para a estatal manter a sonda e demais recursos na região.

O ministério também pediu para a Petrobras dar mais informações ao órgão ambiental sobre a segurança do plano para a perfuração do poço, uma forma de a empresa avaliar se há potencial de produção na região.

A Petrobras lembrou que o desenvolvimento do bloco é um compromisso com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e que será multada se o investimento não for feito.

Difícil reversão

A estatal afirmou, no entanto, que segue comprometida em desenvolver a Margem Equatorial, “reconhecendo a importância de novas fronteiras para assegurar a segurança energética do país e os recursos necessários para a transição energética justa e sustentável”.

A empresa informou que vai buscar uma reconsideração de Agostinho em âmbito administrativo, mas fontes da área ambiental do governo avaliam que há pouca chance de sucesso. Uma mudança na posição do órgão teria que passar por uma guinada na política ambiental, envolvendo diretamente o presidente Lula.

Estimativas do Ministério de Minas e Energia apontam que há cerca de 10 bilhões de barris de petróleo recuperáveis em toda a região. Para se ter uma ideia do que isso significa, o Brasil tem hoje 14,8 bilhões de barris de petróleo de reservas provadas.

A pasta calcula que a área pode gerar US$ 56 bilhões em investimentos, além de uma arrecadação da ordem de US$ 200 bilhões.

Para a pasta, é necessário avançar nessa área porque, no atual cenário, o Brasil atingirá o seu pico de produção de petróleo em seis anos. O MME acredita que, sem uma nova fronteira, a indústria de petróleo no país entrará em declínio nesta década, quando a produção do pré-sal começar a diminuir.

Apesar de o Ibama contrariar planos defendidos enfaticamente pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, e por Silveira, o tom adotado na estatal e no MME ontem foi de respeito à prerrogativa do órgão.

Em nota, afirmou que recebeu a negativa do Ibama com “naturalidade”e o “devido respeito institucional” e ressaltou que busca “o equilíbrio entre desenvolvimento econômico — com geração de emprego e renda — e as necessárias questões ambientais”.

R$ 3 bi em investimentos

Mesmo com as dificuldades na Foz do Amazonas, a Petrobras elegeu a Margem Equatorial como uma de suas prioridades. Reservou US$ 3 bilhões no plano estratégico de 2023-2027 para a perfuração de 16 poços exploratórios na área. O valor corresponde a 49% do total previsto para investimento desse tipo no período. É mais do que em quaisquer outras áreas, superando as bacias do Sudeste.

A área da Foz do Amazonas fica próxima da Guiana, onde já foram descobertos mais de 11 bilhões barris. Com isso, o PIB do país — uma das menores economias da América do Sul — cresceu 62% em 2022. A expectativa é que o crescimento anual seja de 25%. A Guiana tem menos de 800 mil habitantes.

A sensibilidade da Foz do Amazonas é decorrente da grande concentração de unidades de conservação e de comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Há ecossistemas de pesca, turismo e áreas com restrições. Técnicos do Ibama apontam biodiversidade rica e pouco conhecida.

Outro motivo é a complexa formação hidrodinâmica da área. São correntes marítimas fortes e que dificultam ações de emergência em caso de vazamento. Um derramamento tende a empurrar óleo para a costa e, no caso da Foz do Amazonas, para países vizinhos. Além disso, ainda falta à Margem Equatorial um estudo mais amplo para determinar quais áreas de fato não suportariam atividade petrolífera.


Fonte: O GLOBO