Para Alessandra Ribeiro, Fabio Giambiagi, Luiz Mendonça de Barros, Vilma Pinto e Zeina Latif, novo marco para as contas públicas é positivo, mas gasto maior em 2024, com maior engessamento da gestão dos recursos, preocupa

Impede o descontrole fiscal, acalma o mercado financeiro e estabelece controles para cumprir as metas de resultado primário, mas tem regras complexas, que enrijecem ainda mais o Orçamento. Essa é a avaliação de cinco economistas ouvidos pelo GLOBO sobre o texto final do novo arcabouço fiscal, a nova regra para as contas públicas que vai substituir o teto de gastos. O texto foi aprovado na Câmara e, agora, vai para a apreciação do Senado.

Segundo o cálculo da economista Vilma Pinto, diretora do Instituto Fiscal Independente (IFI), ligado ao Senado, a parcela das despesas obrigatórias sobe de 90,5% para 93,3% com a fixação de um piso para os investimentos, despesa que antes não era obrigatória:

— Esse é um dos pontos que venho destacando desde o projeto original do Executivo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) defende piso para proteger os investimentos. Tudo bem, mas nosso Orçamento é extremamente rígido e estamos criando mais um piso.

Ela calcula que o gasto vai crescer R$ 42,2 bilhões em 2025 e ainda faz as contas para o valor de 2024. A complexidade da regra para expansão de despesas em 2024 é criticada por Vilma e pelo pesquisador da FGV Fabio Giambiagi, que diz que o texto “foi escrito em javanês” e é pouco transparente.

O ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros avalia que o arcabouço será capaz de aliviar as tensões do mercado, e Alessandra Ribeiro, sócia da consultoria Tendências, considera o projeto suficiente para impedir o descontrole fiscal.

Mas a economista Zeina Latif alerta que a política fiscal é muito dependente do aumento de receitas.

Veja a seguir a visão dos cinco economistas:

‘Traz estabilidade ao reduzir risco de descontrole’

Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria

O texto aponta para expansão dos gastos. É uma regra que permite aumento de gastos em termos reais (acima da inflação). O ponto positivo é que a regra trouxe os limites de 0,6% e 2,5% para o crescimento das despesas, atrelados ao crescimento das receitas.

Isso ajuda a reduzir os riscos de sustentabilidade das contas públicas. O crescimento médio real das despesas antes do teto de gastos (correção somente pela inflação instituído em 2015) era de 6% em termos reais. Ter um limite de 2,5% é bastante positivo.

Mas, quando pensamos nas metas de resultado primário (receita menos despesa antes do pagamento dos juros da dívida pública) apresentadas pelo governo, a avaliação é que elas são difíceis de serem perseguidas.

Para conseguir cumpri-las, o país vai depender de um aumento de receitas importante. Em tópicos que não são nada triviais de serem conseguidos. Ou seja, vamos ter déficit até 2026 e 2027, com aumento da dívida que vai atingir cerca de 90% do PIB em 2031. A partir daí, começa a cair muito gradualmente.

A Câmara melhorou a regra ao incluir Fundeb, piso da enfermagem e capitalização das estatais na regra. Outra coisa foi a volta das avaliações bimestrais (das receitas e despesas) e do contingenciamento.

O que o arcabouço traz de bom é a estabilidade macroeconômica ao reduzir o risco de insustentabilidade das contas públicas. E isso já é uma tremenda ajuda para andar com outras agendas com potencial maior de atrair investimentos. Em termos de agenda de reformas prioritárias, o governo colocou a tributária como o próximo passo. E parece que ela tem maior chance de aprovação do que se esperava.

'Um teto gelatinoso, mas que dá elementos para iniciar redução dos juros'

Fabio Giambiagi, economista, pesquisador da FGV e colunista do GLOBO

Perdeu-se a oportunidade de fazer uma coisa maior, há muita opacidade e dúvidas no arcabouço, ainda que se configure um quadro melhor do que aquele que existia antes do encaminhamento do projeto. A resposta sobre qual vai ser o limite para gasto no ano que vem é dificílima.

Vai ser afetado pela inflação até junho, depois tem um crédito suplementar para a diferença da inflação de junho até o fim do ano, e se a projeção de receita prevista foi maior, pode corrigir. É um texto escrito em javanês. Perde-se a chance de ter uma discussão madura e séria sobre efetivamente fazer restrições.

Não significa que a regra futura não possa ser razoável, mas o ponto de largada é muito ruim, com um teto gelatinoso. Na prática vamos ter um crescimento do gasto enorme, tudo indica que poderá chegar a 2,5% de aumento mais a diferença entre a inflação deste ano de 6% e a média de 5% em 2024 (o limite permitido para o gasto vai ser corrigido por uma inflação maior que a de 2024).

Mas o arcabouço dá os elementos para que o Banco Central possa iniciar lentamente um processo de redução de juros, a partir de agosto ou setembro. Comparativamente a quem temia o pior num governo do PT, o juro longo caiu de 6,3% para 5,9%.

Há espaço para cair, mas não vejo algo que permita trazer novamente o juro de longo prazo para o nível que estava antes da pandemia. Honestamente me parece difícil ter de novo juro de 3,5% em títulos de 30 anos.

Já em 2026, vai ter uma restrição fiscal mais séria, a partir de um gasto inchado (nos anos anteriores), e pode haver tentação política de jogar o limite para cima no ano eleitoral.

‘Haddad ganha mais fôlego para levar adiante a reforma tributária’

Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista e ex-presidente do BNDES

Avalio como positiva a aprovação do arcabouço fiscal. Do ponto de vista técnico, tem uma base boa e será capaz de aliviar as tensões do mercado financeiro. Mas a Faria Lima vai acompanhar se o governo Lula 3 conseguirá operar dentro dos limites de gastos estabelecidos pelo arcabouço.

Sabemos que o PT é sempre por mais gastos, e a estrutura aprovada — com limites — não cabe no pensamento petista. Mas numa democracia é assim que funciona.

Cumprir as regras vai depender do dia a dia da gestão, mas o ministro Fernando Haddad (da Fazenda) mostrou que tem credibilidade. Ele ganha mais fôlego para levar adiante a próxima reforma importante, que é a tributária. Não será a ideal, mas a possível, certamente melhor do que o cenário tributário que temos hoje.

O arcabouço provocou críticas de economistas mais fiscalistas, que acharam as regras frágeis. Claro que há margem para que ocorram divergências sobre as regras fiscais, mas o que foi aprovado tem consistência para equilibrar as contas.

A despeito de algumas posições extremadas de economistas em relação à dívida pública, hoje há uma dívida em relação ao PIB que fechou 2022 em 73,5%, mesmo depois da expansão fiscal de 10% na pandemia. E a economia brasileira está crescendo.

A aprovação melhora as expectativas em relação ao país. Hoje, o real se valoriza e está valendo R$ 4,95 em relação ao dólar porque o arcabouço sinaliza que há um esforço para contenção dos gastos.

Também é uma oportunidade para que o Banco Central aproveite o momento de “paz” e comece a baixar os juros. As mudanças propostas pelos deputados não alteraram a essência.

'Quando tudo é prioridade, não se consegue priorizar nada'

Vilma Pinto, diretora do Instituto Fiscal Independente (IFI)

Calculamos que o gasto público vai crescer R$ 42,2 bilhões em 2025, mas ainda estamos fazendo as contas para saber quanto vai subir o limite de despesa no ano que vem. Em linhas gerais, a regra é muito complexa e vai depender muito das receitas. As boas práticas recomendam que sejam simples, para comunicar melhor, dar transparência para poder acompanhar o cumprimento dela.

Podemos observar algumas melhorias como citar explicitamente a preocupação com a sustentabilidade da dívida, já que não fazia menção no projeto do Executivo, e a redução das exceções. No teto de gastos (regra que prevalece hoje e limita o crescimento das despesas à inflação), as exceções com o tempo começaram a crescer.

A rigidez da gestão pública aumentou. A parcela das despesas obrigatórias sobe de 90,5% para 93,3% do Orçamento com a fixação de um piso para os investimentos, despesa que antes não era obrigatória. Esse é um dos pontos que venho destacando desde o projeto original do Executivo.

O FMI (Fundo Monetário Internacional) defende piso para proteger os investimentos. Tudo bem, mas nosso Orçamento é extremamente rígido e estamos criando mais um piso. Temos piso para saúde, educação, assistência. Quando tudo é prioridade, não se consegue priorizar nada de forma adequada.

Não consigo enxergar risco maior de descumprimento das metas antes de 2027 por conta do vencimento dos precatórios (dívidas da União), mas são metas que dependem de receitas, o que é uma incógnita ainda. Há dificuldade de ver e de projetar o potencial que está sendo divulgado. Ainda são receitas incertas.

‘Não é algo que se enxergue, de fato, que vai levar à estabilização da dívida’

Zeina Latif, economista e sócia da Gibraltar Consulting

O substitutivo não mudou muito a natureza do foi proposto pelo Executivo, abrindo um pouco mais de espaço para o gasto público com aumento de imposto. Mas não é algo que se enxergue, de fato, que vai levar a superávit nas contas públicas e estabilização da dívida em relação ao PIB.

Se, por um lado, evita cenários extremos de descontrole fiscal, com algum compromisso do governo, não ajuda a ter juros estruturalmente mais baixos no país.

A Câmara reagiu a críticas de analistas e recuperou a obrigação de contingenciamento (bloqueio de gastos em caso de risco de descumprimento de metas) e retirou algumas coisas da lista de despesas que estavam fora da regra. Mas é um texto muito complexo, que dificulta estimar as variáveis fiscais no curto prazo, principalmente em 2024, que tem uma licença grande para gasto.

Mas ninguém fala de reforma estrutural para conter despesas obrigatórias, não há uma agenda de estabilização da dívida pública, isso não existe.

Ficamos discutindo como vai ser o impacto na regra, desde coisas menores, como mecanismos do arcabouço, até a capacidade de aumentar a receita tributária. Taxação de investimento no exterior se reconhece que é necessária, mas outras questões não são fáceis de prosperar.

Após o arcabouço, na ordem teria que vir a reforma tributária, ainda que não envolva aumento de arrecadação, vai mexer com muitos grupos. Uma preocupação é o fato de o arcabouço depender de aumento de arrecadação, o timing não é bom para isso. O ideal era entrar na reforma tributária sem essa sombra de aumento de carga.


Fonte: O GLOBO