Ricardo Pontes diz que fundo de previdência da Caixa pretende vender ativos para diminuir descontos de funcionários e aposentados

O novo presidente da Funcef, o fundo de pensão de Caixa Econômica Federal, Ricardo Pontes, diz ter estabelecido como prioridade de sua gestão a redução do rombo bilionário nas contas da entidade, cuja equação sobrou para os mais de 60 mil funcionários e aposentados da Caixa. Eles ajudam a pagar a conta dos seguidos prejuízos do passado, com descontos feitos diretamente na folha de pagamento.

Pontes teme que a ação apresentada por partidos aliados do governo, como PSOL, PCdoB e Solidariedade, para suspender os pagamentos dos acordos de leniência da Operação Lava-Jato, faça o fundo perder R$ 1,8 bi já acordados com o grupo JBS. "Dependendo da decisão, haverá impacto para a Funcef. Pelo acordo, o grupo ficou de repassar parceladamente para o Fundo R$ 1,8 bilhão", afirmou.

Formado em Administração e com MBA em gestão empresarial pela FGV, Pontes foi secretário de Administração do Piauí e dirigiu a fundação de previdência do estado até abril deste ano. Veja a seguir os principais trechos da entrevista dele ao GLOBO.

Os funcionários da Caixa reclamam que contribuíram a vida toda e agora são penalizados por erros de gestão do fundo. Como responde?

Em 2017, foi adotado um plano de equacionamento para os déficits registrados nos anos de 2014, 2015 e 2016, nos dois planos mais antigos, chamados BD (Benefício Definido). É descontada dos participantes uma parcela por ano, somando três que podem comprometer até 19% do valor do benefício, por prazo de 17 anos. Hoje, o déficit está em torno de R$ 20 bilhões. O equacionamento atinge ao todo 60,3 mil trabalhadores entre ativos e aposentados.

O que pode ser feito para aliviar a conta para os participantes?

Criamos um grupo de trabalho para discutir alternativas que a gente possa adotar a fim de reduzir os valores que os participantes estão pagando a mais. Estamos vendo se podemos fazer alguma negociação com a patrocinadora (a Caixa) para que ela entre com um valor, se é possível fazer algum tipo de investimento ou desinvestimento em ativos imobilizados e trazer para o valor presente.

Vamos levar as alternativas para a Previc, órgão regulador e a Caixa. Em todo o lugar que a gente chega, a primeira pergunta é essa: e o equacionamento?

O resultado do ano passado não ajuda a reduzir o déficit?

No ano passado, tivemos superávit de R$ 1,28 bilhão, o resultado foi bom, mas insuficiente para resolver nosso problema. Temos que correr 24 horas e sete dias por semana atrás de uma solução.

Como explicar a conta para os participantes?

Explicações a gente tem muitas, o difícil é o participante entender e compreender. Em previdência, as ações que a gente toma hoje vão influenciar nos próximos dez, 15, 30 anos. Chegamos a esse equacionamento por causa de várias ações do passado, desde o recebimento de vários imóveis da Caixa com problemas para saldar os planos.

A gente nunca conseguiu se desfazer desses imóveis, fazer desinvestimentos. Há medidas de ajuste nos planos que deveriam ter sido tomadas e não foram. Mais recentemente, teve uma aposta grande no mercado petroquímico, quando o país estava crescendo com o pré-sal, e os investimentos não se concretizaram, como a Sete Brasil, por exemplo.

Agora, precisamos buscar de forma imediata resposta para essas questões, mas também temos que ter cuidado nas decisões porque isso vai refletir no futuro.

O senhor recebeu quais missões no comando da Funcef?

Foram três grandes recados: o primeiro é tentar descobrir se há alternativas para o plano do equacionamento do déficit e, se tiver solução, vamos encaminhar logo. O segundo é tentar resolver os problemas dos ativos, como hotéis que não estão dando retorno, imóveis que estão fechados, terrenos adquiridos para construção de empreendimentos que não foram feitos que precisam de uma destinação, como vender, por exemplo.

Temos uma política de desinvestimento em curso desde o ano passado, mas também não podemos vender com preço baixo e o mercado imobiliário não está aquecido. E o terceiro, ser o mais transparente possível com os participantes, com as entidades e associações.

Há algum imóvel à venda no Rio?

Temos um pequeno shopping na cidade de Itaguaí que está dentro do plano de desinvestimento. Temos um resort em Angra, Vila Galé. Há imóveis em vários estados, estamos fazendo esse levantamento. Queremos desinvestir e trazer os recursos para uma aplicação mais rentável.

Qual o custo dos ativos com problemas?

Não temos um valor dos ativos com problema. Ao todo, os ativos imobilizados representam cerca de 7% da carteira total de ativos de R$ 94 bilhões.

Como pretende recuperar a imagem da Funcef? Os fundos perderam muito nos governos do PT.

Temos comitês em todas as áreas, como compras e investimentos, e um projeto interno de controle de risco e compliance. A diretoria executiva funciona como colegiado, temos conselhos de administração e fiscal que são bastante atuantes. Hoje, estamos mais protegidos em termos de decisão para evitar uma decisão errada, mal-feita, por conta desses órgãos auxiliares que nos dão apoio.

Mas a preocupação com a gestão precisa ser constante. A Funcef sofreu muito, ficamos nas páginas policiais e queremos que a entidade fique apenas nas páginas de investimentos.

O senhor está ciente do tamanho do desafio?

Eu vim para cá para resolver problemas, mas já estou acostumado. No Piauí, passei por todas as áreas de governo. Recentemente, estava cuidando do regime próprio de previdência do estado, implantamos a reforma da Previdência, uma das mais duras já feitas no país, mas necessária. Também criamos o regime de previdência complementar, que não existia.

A taxa de juros de 13,75% favorece as aplicações dos fundos?

Hoje, com muitos títulos públicos em carteira, a taxa alta nos favorece. Mas em algum momento essa taxa vai cair e temos que estar preparados, fazendo estudos de cenários de longo prazo para alocar os recursos de acordo com os compromissos lá na frente. O governo tem razão quando reclama dos juros, o país precisa crescer porque isso é bom para todos.

Temos uma diversificação nos investimentos, quase 25% são aplicações em Bolsa, em empresas, e elas precisam performar para distribuir bem. Estamos trabalhando numa boa perspectiva para o segundo semestre.

O julgamento da ação que suspende o acordo de leniência no STF, apresentada por partidos aliados, pode prejudicar a Funcef?

Estamos acompanhando o acordo de leniência feito pelo grupo JBS, que tem uma parte a ser paga para a Funcef. Dependendo da decisão, haverá impacto para a Funcef. Pelo acordo, o grupo ficou de repassar parceladamente para o Fundo R$ 1,8 bilhão. O valor global do acordo deles é de R$ 10 bilhões, em 20 anos.

A Funcef pode voltar a investir em infraestrutura, participar de leilões como ocorreu no passado?

Estamos abertos a discutir novos investimentos na economia real. Mas isso será feito de forma conjunta com outros grandes parceiros nossos, Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) e Petros (da Petrobras), depois de fazer uma boa avaliação sobre o retorno desse tipo de investimento e da aprovação da Previc.

Em que resultaram as 48 comissões de inquérito criadas pelo Fundo para apurar suspeitas de irregularidades nas gestões passadas?

Tivemos mais custos que resultados efetivos. Houve um denuncismo muito grande junto ao processo da Lava-Jato. Muitas denúncias contra ex-dirigentes não se concretizaram, não foram julgadas. A Funcef se desgastou e perdeu muito tempo. Foram investidos muitos recursos nessa questão e acho que foi um erro. Tem que se investigar, apurar, mas não como foi o foco no passado, praticamente só se trabalhava nisso.

Das 48, quantas concluíram o trabalho?

Cerca de 30 foram encaminhadas ao Ministério Público Federal e estão em andamento, três serão arquivadas e 15 estão em fase de apuração.


Fonte: O GLOBO