Astrônomos analisaram distorção que luz de explosão estelar sofreu ao ser atraída pela gravidade de outras galáxias antes de chegar à Terra

Um grupo de astrônomos anunciou hoje ter conseguido realizar uma nova medição da taxa de expansão do Universo, valor conhecido como constante de Hubble. 

Usando uma técnica que mede a influência da gravidade sobre a luz de de estrelas distantes, ideia concebida pelo físico Albert Einstein, os pesquisadores esperam que o trabalho ajude a aprimorar teorias sobre a história do cosmo.

A velocidade com que o Universo aumenta de tamanho foi medida pela primeira vez em 1929, com baixa precisão, pelo astrônomo Edwin Hubble (daí no nome da constante). 

O valor consiste em uma relação entre a distância à que outras galáxias estão da Terra e a velocidade da trajetória de afastamento delas. (Hubble constatou que as galáxias se afastam mais rápido e têm espectro de luz mais avermelhado, por isso é possível medir sua velocidade.)

Usando diferentes técnicas para estimar o valor, astrônomos sabem que a constante é uma medida de aceleração está em em algo entre 66 e 74 km/s/Mpc (quilômetro por segundo por megaparsec). Um megaparsec é igual a 3,1 x 10 elevado a 19, um valor típico de distância entre galáxias, e pode parecer pouco se comparado ao universo inteiro. Essa margem de incerteza de apenas 10%, porém, atrapalha a astrofísica na construção de uma teoria mais sólida para explicar o início — e o futuro — do Universo.

A diferença nas medições feitas até agora se dá sobretudo porque as duas técnicas usadas para fazer isso têm apontado números discrepantes.

Uma delas, que observa supernovas (explosões de estrelas) em galáxias distantes, lança mão do fato de que esses fenômenos possuem uma luminosidade "padrão", e sua distância pode ser deduzida a partir de seu brilho. A taxa de expansão do cosmo é calculada então cruzando a informação de distância da supernova com sua velocidade de afastamento (inferida a partir do desvio para o vermelho no espectro luminoso).

A outra técnica existente para medir a constante lança mão de um fenômeno diferente chamado radiação cósmica de fundo. Essa radiação é um resquício da luminosidade emitida pelo Big Bang, a explosão que deu origem ao Universo. Medindo a taxa de "esgarçamento" dessa radiação, esticada cosmo em expansão, é possível também estimar a constante de Hubble.

O problema que a astrofísica enfrenta hoje é que, enquanto as medições do valor feitas por supernovas se aproximam de 75 km/s/Mpc, e as medições feitas pela radiação de fundo se aproximam de 65 km/s/Mpc.

Disputa cosmológica

Segundo o físico teórico Marcelo Gleiser, do Dartmouth College de New Hampshire (EUA), essa disparidade pode ter duas explicações.

— Uma das possibilidades é as medidas dos astrônomos que estudam as supernovas terem erros sistemáticos que estejam amplificando o valor da constante. 

Outra possibilidade é a de que os modelos teóricos que a gente usa para descrever a física do Universo primordial tenham problemas e precisem ser editados — diz o cientista. — Tem uma briga danada entre um monte de gente eh tentando ver por que que isso acontece.

Existem propostas, porém, que podem servir como tira-teima para o impasse, e o estudo publicado hoje tem relação com uma delas.

Em 1964, o astrônomo norueguês Sjur Refsdal elaborou uma estratégia de medição da constante de Hubble que consiste em medir supernovas de uma maneira diferente. Em vez observá-las pela captura direta de sua luz, a ideia era tentar observar sua luminosidade depois de essa ter sido desviada pela gravidade de grandes aglomerados de galáxias, aproveitando a ideia de Einstein, numa técnica conhecida hoje como "lente gravitacional".

Refsdal chegou até a deixar prontos um conjunto de fórmulas sobre como usar isso para calcular a constante cosmológica, mas sua ideia esbarrou em um problema. Observações de objetos por lente gravitacional são oportunidades relativamente raras em astronomia, e explosões supernovas também. Até que essas duas características pudessem ser combinadas em uma única observação num bom telescópio, foi preciso esperar meio século.

Fim da espera

Em 2014, enfim, o astrônomo Patrick Kelly, da Universidade do Minnesota, conseguiu identificar uma supernova em lente gravitacional em imagens capturada pelo Telescópio Espacial Hubble. 

A imagem da explosão estelar aparecia em três pontos diferentes da fotografia, porque ela era desviada ao contornar um grande aglomerado de galáxias que estava em seu caminho de 3 bilhões de parsecs de distância até a Terra. 

Um ano depois, ele conseguiu capturar de novo a imagem da explosão em um quarto ponto no céu, porque nessa outra trajetória a luminosidade do fenômeno demorou um pouco mais para chegar até aqui.

Nesta semana, finalmente, depois de sete anos analisando dados, fazendo cálculos e submetendo-os a revisão independente, um grupo de 35 cientistas liderados por Kelly publica um estudo com a nova medida.

"Nós usamos o intervalo de atraso entre as duas aparições da supernova para fazer uma medida independente da taxa de expansão do Universo", escrevem os pesquisadores no artigo, publicado pela revista Science. "Concluímos que a constante de Hubble é igual a 66,6 km/s/Mpc."

Crise e oportunidade

O valor apontado pelo grupo é mais próximo daqueles aferidos via radiação cósmica de fundo do que pelo estudo das supernovas, o que animou pesquisadores que favorecem a primeira abordagem.

Kelly e seus coautores, porém, adotam uma posição de certa modéstia em seu estudo, e afirmam que a nova medida não deve ser, ainda, a palavra final sobre o valor da constante de Hubble. O pesquisador não aponta, por exemplo, nenhum problema em especial com relação a técnicas mais tradicionais de estudo de supernovas.

Na opinião de Gleiser, o acirramento dessa disputa representa uma oportunidade para a ciência da cosmologia.

— As pessoas tendem a ver essas esses momentos crise como uma espécie de fraqueza da ciência, mas na verdade é exatamente o oposto. É nesses momentos em que a gente vê como que a ciência é feita, de fato — diz o físico. — Você precisa corrigir as teorias que você tem para poder avançar em direção a novos campos do conhecimento.


Fonte: O GLOBO