Ministro minimiza fato de arcabouço fiscal não prever penalidade: ‘Ninguém pune o BC por descumprir a meta (de inflação)’

O Ministério da Fazenda prepara a divulgação de uma lista de todas as empresas brasileiras beneficiadas por isenções e benefícios fiscais federais. A expectativa internamente é começar a divulgação dessa lista na próxima semana ou, no máximo, em 15 dias. Isso seria feito em dois blocos, mas os critérios ainda estão sendo fechados.

O ministro Fernando Haddad disse, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que pretende divulgar “CNPJ por CNPJ” das empresas que hoje são beneficiadas. Ele afirmou que a meta é cortar R$ 150 bilhões dessas renúncias tributárias. No total, segundo o ministro, há R$ 600 bilhões em benefícios deste tipo hoje no país, chamados por ele de uma caixa-preta “maior que o orçamento secreto”.

Na entrevista, Haddad afirmou que seus planos de rever benefícios fiscais não incluem mexer no Simples nem na desoneração das folhas de pagamento.

Em conversa com jornalistas nesta segunda-feira, o chefe da equipe econômica se manifestou contra fixar uma punição ao presidente da República por eventual descumprimento das metas de resultado das contas públicas. O novo arcabouço fiscal não prevê punição caso o resultado fiscal que o governo deve perseguir seja descumprido. O resultado é calculado pela diferença entre receitas e despesas do governo.

Pelo projeto, caso haja descumprimento, o presidente da República precisará explicar os motivos ao Congresso, por meio de uma carta que também deverá apontar medidas de correção. Além disso, o crescimento das despesas no ano seguinte seria menor.

Lula volta a criticar juro

Haddad comparou o mecanismo ao da meta de inflação. O Banco Central (BC) precisa perseguir um índice, definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e que varia dentro de um limite mínimo e máximo. Quando a inflação fica abaixo ou acima desse intervalo, o chefe do BC precisa fazer uma carta se justificando.

— Ninguém pune o Banco Central por descumprir a meta. O que eu acredito é você ter regras que tornem a gestão fiscal mais rígida. Não conheço nenhum país que criminalize. Do que adianta você fazer uma regra dura, como o teto de gastos, e depois ficar aprovando emendas constitucionais e furando o teto. Melhor ter uma regra sustentável — comentou Haddad, citando, por outro lado, que o Congresso tem autonomia para decidir por possíveis mudanças.

Nos anos de 2021 e 2022, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou fora do intervalo de meta estabelecido. Há perspectiva de a inflação continuar fora do limite máximo também em 2023.

A meta de inflação para este ano é de 3,25%, com teto de 4,75%. O principal instrumento do BC para controlar a inflação é a Taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano, motivo de crítica pelo governo.

Nesta segunda-feira, em Portugal, o presidente Lula afirmou que a Selic a 13,75% ao ano é muito alta e que ninguém toma dinheiro emprestado com esse percentual.

— A verdade é que um país capitalista precisa de dinheiro, e esse dinheiro tem que circular na mão de todos — disse. — A solução do Brasil é a gente voltar a pôr o pobre no Orçamento. É garantir que as pessoas pobres podem comprar.

Com atenção ao resultado das contas públicas para os próximos anos, Haddad esteve durante a manhã de ontem com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves. O magistrado é relator do processo que discute a exclusão dos benefícios do ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Relator vai negociar texto

Para Haddad, o julgamento do STJ pode “mudar completamente o horizonte fiscal do país”. De acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, a decisão tem impacto estimado de R$ 47 bilhões no ano que vem.

— Isso tem um impacto muito grande nas finanças públicas, que estão sendo corroídas por uma série de dispositivos anômalos e completamente ilegítimos, que estão corroendo a base fiscal do Estado — afirmou o ministro.

Em outra frente, o relator do projeto do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), começa hoje uma série de reuniões para fechar o texto final da proposta. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende votar o projeto até 10 de maio.

Cajado terá reuniões hoje com as bancadas do seu próprio partido, que se classifica como independente, e do União Brasil. Juntos, os dois partidos têm 108 deputados. O governo precisa de pelo menos 257 votos a favor, entre 513 deputados.


Fonte: O GLOBO