Fala sobre estado de Bolsonaro após derrota incomodou a defesa do ex-presidente; mais cinco testemunhas serão ouvidas em ação sobre ataques ao sistema eleitoral

O ministro Benedito Gonçalves, do Tribunal Superior Eleitoral, decidiu neste domingo (19) manter sob sigilo, pelo menos por enquanto, o depoimento de 90 minutos prestado pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres ao TSE, no âmbito de uma ação que pode declarar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível e impedi-lo de disputar eleições pelos próximos oito anos.

Conforme informou a coluna, o depoimento aumentou a tensão no entorno de Jair Bolsonaro e escancarou as questões do processo que mais provocam medo na defesa do ex-presidente.

Um dos principais pontos que incomodaram a defesa de Bolsonaro foram as “impressões pessoais” que Anderson Torres externou ao longo do depoimento sobre o estado de saúde de Jair Bolsonaro após ser derrotado nas urnas por Lula em outubro do ano passado.

Segundo a equipe da coluna apurou, Anderson Torres comentou que o ex-chefe ficou em estado depressivo após não conseguir ser reeleito e comentou a infecção na perna sofrida pelo ex-presidente.

Em sua decisão, Benedito Gonçalves observou que, como “não se trata em processo de segredo de justiça, o sigilo dos depoimentos será mantido pelo tempo necessário para que cumpra a sua finalidade, devendo ser oportunamente reavaliado”.

“No que diz respeito ao teor das declarações prestadas por Anderson Torres a respeito do estado de saúde do ex-presidente, observo, por um lado, que disseram respeito a fatos notórios, parte deles divulgado nas redes sociais por pessoas próximas ao primeiro investigado. Não obstante, não vejo óbice a que se acolha a pretensão da parte de manter em reserva a abordagem específica feita pela testemunha quanto a esses fatos. A medida, porém, não afetará todo o depoimento”, ressaltou o relator.

Para “conciliar os interesses envolvidos”, Benedito Gonçalves decidiu que o TSE fará duas versões do depoimento de Anderson Torres: uma integral, “sem cortes”; e uma outra sem a parte que trata das impressões pessoais do ex-ministro sobre a saúde de Jair Bolsonaro.

“Ambas as versões, quando juntadas aos autos da AIJE (a ação de investigação judicial eleitoral movida pelo PDT contra Bolsonaro), ficarão acessíveis às partes, assegurando ao autor e o Ministério Público Eleitoral o acesso à íntegra do depoimento. Por outro lado, na oportunidade em que vier a ser feita a divulgação pública dos depoimentos, somente a segunda versão terá seu sigilo levantado.”

A manutenção do sigilo dos depoimentos tem sido a regra adotada por Benedito Gonçalves até aqui. Com essa postura, o corregedor tenta evitar que as testemunhas tenham acesso ao inteiro teor do depoimento das outras e combinem versões, por exemplo.

Na última quinta-feira, Torres prestou depoimento ao TSE na condição de testemunha para apresentar esclarecimentos sobre uma “minuta golpista” e evitou incriminar Bolsonaro, conforme informou a coluna.

O ex-titular da Justiça não explicou a autoria do texto que criava um certo "estado de defesa" no TSE, dando poderes a Bolsonaro para interferir na atuação da Corte – o que é flagrantemente inconstitucional.

O ex-ministro da Justiça também foi perguntado três vezes no depoimento se Jair Bolsonaro sabia da minuta golpista.

Torres disse que nunca falou sobre o assunto com Bolsonaro e insistiu que o documento não foi entregue para o ex-presidente da República. Alegou apenas que recebeu a minuta golpista de sua assessoria, mas não deu o nome de ninguém.

Na mesma decisão, Benedito Gonçalves também atendeu a um pedido da defesa de Bolsonaro para que mais cinco testemunhas fossem ouvidas: o deputado Filipe Barros (PL-PR), relator da PEC do Voto Impresso, e o ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO); os jornalistas Guilherme Fiuza e Augusto Nunes; e a comentarista política Ana Paula Henkel.

Ana Paula, Fiuza e Nunes participaram de uma entrevista com Bolsonaro em torno de um inquérito policial que tratava de um ataque hacker ao sistema da Justiça Eleitoral. “O debate é relevante e não pode ser silenciado ou inibido em nome de alegada ‘efetividade processual'", sustenta a defesa do ex-presidente.

Por determinação de Benedito, as testemunhas de defesa de Bolsonaro serão ouvidas no próximo dia 27.

Na leitura do PDT e do PT, quanto mais rápido o julgamento, maiores as chances de cassação, já que o ex-presidente viu o capital político derreter após arrumar as malas, se refugiar nos Estados Unidos e abandonar sua militância no Brasil.

Além disso, uma série de trocas estão previstas para ocorrer ao longo dos próximos meses no TSE, o que deve impactar a correlação de forças dentro da Corte.

Hoje, aliados e adversários de Bolsonaro concordam que a tendência do TSE é a de punir o ex-presidente por abuso de poder político.


Fonte: O GLOBO