Bancada evangélica mobilizou 336 deputados federais em prol da Proposta de Emenda à Constituição

Com aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e apoio de partidos da base de Lula, a bancada evangélica mobilizou 336 deputados federais em prol da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca ampliar a imunidade tributária para as igrejas no país. 

Os evangélicos, que angariaram uma série de benefícios durante a gestão Jair Bolsonaro, querem isenção também em impostos indiretos, aqueles que incidem sobre produtos e serviços, por exemplo. Para especialistas, esse novo modelo vai impactar diretamente na arrecadação dos estados.

A imunidade para os templo está prevista na Constituição, e o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a isenção se refere aos tributos diretos — tais como IPTU no imóvel da igreja ou IPVA para os carros no nome da entidade religiosa. Com a nova proposta, o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) busca expandir a medida para as tributações indiretas. 

No caso de uma reforma do templo ou em obras comunitárias ligadas à igreja, por exemplo, o material de construção seria adquirido sem imposto.

Lira se comprometeu a pautar a PEC, em breve, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Casa, que ficou sob o comando do petista Rui Falcão.

— A nossa intenção é que as igrejas possam usar as doações para comprar mantimentos, equipamentos sem ter que pagar imposto. É a luz para fazer o culto, o ar condicionado do casamento, a reforma dos templos... — listou Crivella ao GLOBO.

Além da bancada evangélica e Lira, a proposta recebeu adesão de parlamentares cujos partidos têm assento na Esplanada dos Ministérios — 141, ou 42% do total de assinaturas para que o texto pudesse ser apresentado. 

Siglas com três pastas cada, União Brasil, PSD e MDB lideram o ranking. Oito deputados da federação que reúne PT, PCdoB e PV também aderiram à proposta. Procurado pelo GLOBO, um dos cinco deputados federais do PT que assinaram a PEC, o mineiro Rogério Correia informou que não está comprometido com o conteúdo em si e que apenas deu o seu apoio à tramitação do projeto.

Além da PEC proposta por Crivella, outros cinco projetos sobre o tema estão sob análise do Congresso. Os textos pedem a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de veículos, do pagamento de laudêmio e de taxas de ocupação relacionados a terrenos de marinha e gratuidade de custos de cartório na hora de adquirir um imóvel.

Mudanças sob Bolsonaro

Desde a Constituição, diversas leis foram sancionadas para especificar o que em tese já havia sido previsto, de forma mais subjetiva, em 1988. Exemplo disso ocorreu em 1997, quando os veículos registrados em nome das igrejas foram reafirmados na isenção do IPVA. Posteriormente, novos impostos foram criados e, por consequência, incluídos no rol de isenções. 

Em 2000, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), incidente em doação ou transmissão de bens, já foi sancionado sem contar com a arrecadação dos templos. Isto significa que os dízimos, contribuições dos fiéis à igreja, não são descontados pelo Estado.

— Os impostos indiretos, ou seja, aqueles que são formados ao longo da cadeia de produção, em cascata, são os únicos não incluídos nesta conta. O que Crivella propõe é estender esta imunidade aos impostos indiretos, o que mexe diretamente com a arrecadação dos estados — afirma o advogado especialista em direito eclesiástico Hugo Cysneiros.

Entre 2001 e 2019, nenhuma mudança ocorreu nesta seara, até que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que contava com amplo apoio entre evangélicos, assumiu seu mandato e aprovou uma medida por ano. Ainda em 2019, o ex-presidente liberou as igrejas de pagarem o principal imposto estadual, o ICMS, que incide nos serviços e produtos, tais como a conta de luz, por até 15 anos.

Já em 2021, o ex-presidente perdoou a dívida de R$ 1,4 bilhão referente ao pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) — imposto da União que incide sobre o lucro líquido dos templos. 

No ano passado, a duas semanas do início da campanha eleitoral, Bolsonaro sancionou uma lei que legisla sobre a contribuição previdenciária de pastores. A partir desta medida, os líderes não têm a renda debitada em atividades ligadas à religião. Uma emenda constitucional também liberou, no mês passado, igrejas de pagarem IPTU sobre imóveis alugados.

— A força dos evangélicos vem de um projeto que foi bem articulado pelo grupo nos últimos 40 anos. Eles se distribuem em vários partidos, sem recorte ideológico, e se encontram na bancada evangélica, onde se articulam em prol de pautas que reafirmam as perspectivas do cristianismo — afirma o cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Relação com lula

Expressivo na Câmara e no Senado, o grupo ainda conserva certa distância do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que enfrenta dificuldades para se aproximar da ala evangélica. Recentemente, o presidente tem feito acenos à base — com o apoio à eleição de Jhonatan de Jesus ao Tribunal de Contas da União (TCU) e o acordo costurado com Lira que levou Marcos Pereira (Republicanos-SP) à vice-liderança da Câmara.

Apesar disso, as lideranças seguem afastadas do petista. Na quinta-feira, o bispo e fundador da igreja Universal, Edir Macedo, usou as redes sociais para criticar Lula. Em vídeo, afirmou que o petista não teria dedicado medidas ao setor evangélico. Esta semana, o GLOBO mostrou que, desde novembro, a Folha Universal — periódico de tiragem semanal — criticou o petista em ao menos sete ocasiões.

— Somos ideológicos, temos nossas pautas cristãs, o que faz com que entremos em conflito com o governo Lula — diz o segundo vice-presidente da Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-líder da bancada.


Fonte: O GLOBO