Decisão acontece meses depois de a Justiça britânica rejeitar possibilidade de o Parlamento convocar novo referendo de independência; premier britânico também havia bloqueado lei regional sobre transição de gênero

A primeira-ministra da Escócia, a independentista Nicola Sturgeon, renunciou após mais de oito anos à frente do governo em Edimburgo. A chefe de governo, de 52 anos, tinha grande popularidade e liderou a luta por um novo referendo sobre a independência do Reino Unido. 

A decisão acontece poucos meses após a Justiça britânica rejeitar, por unanimidade, a possibilidade de o Parlamento autônomo do país convocar um novo referendo de independência sem a autorização do Parlamento britânico. Além disso, há um mês o governo britânico havia bloqueado uma lei de competência regional sobre transição de gênero, o primeiro veto em 25 anos.

Em uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira, Sturgeon, do Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês), disse que permanecerá no cargo até que um sucessor seja eleito.

— Hoje estou anunciando minha intenção de deixar o cargo de primeiro-ministro e líder do meu partido. Sei que existirão alguns que ficarão chateados com esta decisão. Claro que, para equilibrar, outros vão lidar bem com as notícias, tamanha é a beleza da democracia — disse. 

— Mas para aqueles que se sentem chocados, desapontados, talvez até um pouco zangados comigo, por favor, não tenham dúvidas de que é muito difícil para mim. Minha decisão vem de um lugar de dever e amor. Um amor duro talvez, mas ainda assim amor pelo meu partido e, acima de tudo, pelo país.

Havia uma crescente especulação de que Sturgeon estaria se preparando para renunciar nas próximas eleições parlamentares escocesas, mas a decisão repentina pegou os escoceses de surpresa. Nos últimos meses, a premier disse repetidamente que não tinha planos de deixar o cargo e pretendia liderar o governo escocês e o SNP nas eleições de 2025.

Nesta quarta, Sturgeon disse que não se trata de uma "reação a pressões de curto prazo, mas uma decisão "que vem de uma avaliação mais profunda e de longo prazo". E deixou claro que não está deixando a política e seguirá com campanhas pessoais.

— E obviamente há independência. É uma causa à qual dediquei toda a minha vida e na qual acredito. Estou convencida de que a causa está sendo ganha — disse, citando suas conquistas enquanto estava no cargo. — A Escócia é mais justa hoje do que em 2015. Tenho muito orgulho, mas sempre há muito mais a ser feito. Por favor, saibam que ser primeira- ministra tem sido o privilégio da minha vida.

Além do veto ao referendo, a premier também sofreu uma derrota recente, após a aprovação, em dezembro, de uma lei que facilita a transição de gênero, permitida a partir dos 16 anos e sem a necessidade de diagnóstico médico.

O governo do primeiro-ministro conservador britânico, Rishi Sunak, mostrou-se contrário à legislação e decidiu bloqueá-la poucas semanas depois. Com a decisão, Sunak tornou-se o primeiro chefe de governo britânico a usar o mecanismo de bloqueio de uma decisão de competência regional, o que deu ainda mais argumentos aos defensores da independência. Após o bloqueio, Sturgeon denunciou no Twitter um "ataque frontal" contra o Parlamento local "eleito democraticamente e sua capacidade de tomar suas próprias decisões".

Mas um escândalo jogou mais lenha na fogueira: uma mulher trans condenada por estuprar mulheres antes de sua transição foi detida em uma penitenciária feminina, o que provocou fortes reações. Finalmente, a detenta foi transferida para uma penitenciária para homens.

Possíveis sucessores

O partido de Sturgeon venceu as eleições regionais de 2021 com a promessa de realizar uma nova consulta jurídica assim que a pandemia de Covid-19 terminasse. Após a decisão da Justiça britânica, em novembro, a premier declarou-se "desapontada" com a decisão. À época, disse que “negar a um dos sócios” o direito de decidir o seu futuro “é uma pílula difícil de engolir para qualquer defensor da independência e da democracia” e gera “uma situação simplesmente insustentável”.

O SNP havia anunciado uma nova consulta para 19 de novembro de 2023, mas Sturgeon prometeu que seria um referendo legal e acordado com Londres, como aconteceu em 2014, quando o “não” à independência venceu com 55% dos votos.

Após a renúncia, o premier britânico, Rishi Sunak, agradeceu "por seu serviço de longa data" no Twitter: "Continuaremos trabalhando em estreita colaboração com o governo escocês em nossos esforços conjuntos para atender às pessoas em toda a Escócia".

Sturgeon, que liderou várias campanhas para a independência da Escócia, assumiu a chefia do governo escocês em novembro de 2014, substituindo Alex Salmond. Durante a campanha do Brexit, defendeu que a Escócia pretendia fazer parte do mercado único e da união aduaneira mesmo com a saída do Reino Unido da UE.

Com elevadíssimos índices de popularidade pela gestão bem-sucedida da pandemia, que contrastava com as políticas caóticas do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson, Sturgeon acumulou sucessos eleitorais e obteve uma nova maioria pró-independência no Parlamento regional juntamente com ambientalistas em maio de 2021.

Entre os nomes para sucedê-la estão figuras como o vice-primeiro-ministro, John Swinney, a opção mais experiente do SNP; Kate Forbes, secretária de Finanças que teve uma ascensão meteórica nas fileiras do governo; e o secretário de Saúde Humza Yousaf, que também faz parte de uma nova geração na legenda.


Fonte: O GLOBO