Ministra Cármen Lúcia, do STF, remeteu sete pedidos de investigação contra o ex-presidente para a Justiça Federal do DF nesta sexta-feira

Nesta sexta-feira, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhou sete pedidos de investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para a Justiça Federal do Distrito Federal, a quem caberá conduzir as ações daqui em diante. 

Isso acontece porque, ao deixar o cargo, Bolsonaro perdeu a prerrogativa do foro privilegiado, destinado a autoridades em exercício de função. Assim, os casos saem da mais alta Corte do país e vão rumo à primeira instância.

O trâmite já era esperado desde que o antigo chefe do Executivo perdeu as eleições do ano passado para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas quais impactos concretos a mudança pode acarretar para a situação jurídica de Bolsonaro? A seguir, entenda, em oito perguntas, como fica o quadro processual relativo ao ex-presidente.

A situação de Bolsonaro piora ou melhora?

As ações que correm contra um presidente da República são capitaneadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), hoje chefiado por Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro e considerado alinhado ao ex-mandatário em suas decisões. 

Agora, os pedidos de investigação passam para as mãos de procuradores federais de primeira instância, a quem também caberá denunciá-lo ou não. Por fim, presidentes só podem se tornar alvo de instauração de processo com o aval de dois terços da Câmara dos Deputados — em 2017, por exemplo, a Casa barrou uma investigação contra Michel Temer no STF.

— Ele perdeu esse filtro político, o que já é um problema. Além disso, com a ida das ações para primeira instância, não havendo conexão entre elas, os casos seguem para procuradores e juízes diferentes, o que, em tese, torna a possibilidade de um desfecho negativo em alguma delas maior — avalia o advogado Daniel Sarmento, professor titular de Direito Constitucional da UERJ e ex-procurador da República: — Não é à toa que as pessoas, em geral, buscam o foro por prerrogativa de função. Perder isso, via de regra, acaba sendo algo negativo.

A decisão afeta o tempo de tramitação dos processos?

Não necessariamente. Esse aspecto, no entanto, pode ser analisado por dois vieses. No STF, que já é uma Corte mais sobrecarregada por essência, uma ação como essa passa pelo plenário, onde um ministro pode pedir vista, por exemplo. 

Como na primeira instância as decisões competem a um único juiz, que é responsável por menos processos, a tramitação tende a ser mais rápida. Por outro lado, no caso de uma eventual condenação, há mais instâncias superiores para apresentar recursos, ao contrário do que ocorre no Supremo — assim, o tempo percorrido até o trânsito em julgado da sentença pode ser maior.

Bolsonaro passa a ter mais chances de ser preso?

Não existe uma correlação direta entre a instância de tramitação e a possibilidade de prisão. No entanto, o professor Daniel Sarmento segue uma linha de raciocínio similar à que embasa a análise sobre a situação jurídica geral do ex-presidente: como as ações passam a ser conduzidas por um número maior de procuradores e juízes, a chance de se deparar com um profissional mais linha-dura, na teoria, também aumenta.

— Procuradores e juízes têm perfis diferentes, podendo atuar com mais ou menos rigor. Sem tratar de nenhum caso específico, eu vejo, sim, um risco maior de uma decisão ou condenação mais rígida — afirma o advogado.

O fato de Bolsonaro estar no exterior afeta a defesa?

Em um primeiro momento, não. O ex-presidente pode responder normalmente às demandas judiciais mesmo fora do país, por intermédio de seus advogados. Caso o presidente seja intimidado a depor ou mesmo denunciado em alguma das ações, porém, o distanciamento pode ser mal interpretado. 

Uma das hipóteses que permite a decretação de uma prisão preventiva antes da condenação com trânsito em julgado, por exemplo, é quando as autoridades entendem que há risco de o réu fugir ou tentar valer-se de algum artifício para não responder ao processo e escapar de uma eventual punição.

— Mas, geralmente, antes de uma medida mais dura como prisão ou confisco de passaporte, a Justiça se vale primeiro de outras estratégias — explica Sarmento.

Quais frentes de investigação mais preocupam aliados de Bolsonaro?

Segundo a colunista Malu Gaspar, há quatro frentes de investigação que são consideradas mais suscetíveis a uma condenação, segundo aliados preocupados com o futuro político de Bolsonaro:

As ações sobre as agressões a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014. Bolsonaro é réu por injúria e apologia ao estupro.

A ação de improbidade administrativa envolvendo a ex-secretária Wal do Açaí, acusada de ser funcionária fantasma de seu gabinete na Câmara Federal.

Desdobramentos dos atentados terroristas de 8 de janeiro.

Investigações dos inquéritos dos atos antidemocráticos e das milícias digitais no STF.

O que já foi para a primeira instância?

A ministra Cármen Lúcia encaminhou sete pedidos para investigar o ex-presidente que tramitavam perante a Corte. Cinco deles se referem às declarações de Bolsonaro em manifestações no feriado de 7 de setembro de 2021, em que fez ataques ao STF e chamou o ministro Alexandre de moraes de canalha.

Também foram transferidos os casos sobre declarações do ex-presidente que associavam o peso de um homem negro a arrobas e sobre a participação ,junto com o seu então ministro da Justiça, Anderson Torres, em uma motociata nos Estados Unidos ao lado do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que está foragido.

O que ainda pode ir para a primeira instância?

O ex-presidente é alvo de cinco inquéritos que tramitam no Supremo, além de duas ações penais. A maioria deve ser enviada para a primeira instância nas próximas semanas. Um dos inquéritos mais avançados é o que investiga a disseminação de notícias falsas durante a pandemia. 

O ex-presidente também é investigado por ter violado sigilo funcional, ao divulgar uma investigação sigilosa sobre ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE); e por suposta interferência na Polícia Federal, denunciada pelo ex-ministro Sergio Moro. 

Além disso, ele ainda é réu em duas ações penais, por ter dito que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque é "muito feia". Todas essas devem ser transferidas para a primeira instância.

E pelo que mais Bolsonaro é investigado?

Ele é também investigado no STF no inquérito das milícias digitais responsáveis por ataques às instituições democráticas e no que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro. Ambos devem permanecer no STF, porque têm outras pessoas investigadas com foro privilegiado. 

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro é alvo de ação acerca de taques ao sistema eleitoral em uma reunião com embaixadores, sobre uma rede de desinformação para favorecê-lo, por abuso de poder político e econômico nas manifestações de 7 de Setembro e pela live em que falava de fraudes nas urnas eletrônicas sem apresentar provas.


Fonte: O GLOBO