Nota fiscal eletrônica em estudo permitiria o rastreamento da origem do metal e cruzamento de outros dados sobre extração, segundo Instituto Brasileiro de Mineração; atualmente, documento pode ser escrito à mão

O governo Lula prepara medidas para inibir o comércio de ouro retirado de garimpos ilegais. Para integrantes do Executivo, é uma das formas de deter a atividade e a invasão de terras indígenas. A crise humanitária no Território Indígena Yanomami aumentou a preocupação com o assunto. O governo pretende enfrentar a situação não apenas com medidas sanitárias e de controle do território, mas eliminando as brechas na regulamentação que permitem o comércio ilegal.

Uma das medidas analisadas pelo governo é determinar que o transporte de ouro será sempre acompanhado de nota fiscal eletrônica. Atualmente, a lei exige apenas a nota fiscal tradicional e a cópia do título autorizativo de lavra.

O modelo está regulamentado em uma instrução normativa da Receita Federal de 2001 que determina que o documento pode ser manuscrito e precisa ter cópia extraída por “decalque a carbono ou em papel-carbono”. É uma legislação anacrônica, na visão de integrantes do governo Lula que estudam o problema. A nota fiscal eletrônica permitiria implementar a rastreabilidade do metal e a origem do produto.

A avaliação é de que, na prática, não há mecanismos para atestar a origem do ouro e impedir que o metal ilegal entre no mercado formal, o que impulsiona operações ilegais em terras indígenas e unidades de conservação.

Lei questionada

Para viabilizar a introdução da nota fiscal eletrônica e outras ações de combate ao garimpo ilegal, será preciso rever uma lei de 2013 que, para o Executivo, dificulta a rastreabilidade e abre brechas para a lavagem do ouro ilegal. A lei permite que as distribuidoras de títulos e valores mobiliários com autorização de comprar ouro extraído no Brasil não apurem a procedência do metal.

Os garimpeiros precisam só declarar a origem do que vendem, porque a lei estabelece o que chama de “legalidade presumida” para quem fornece o metal e a presunção de boa-fé para quem compra. O trecho da lei, para o novo governo, incentiva o garimpo ilegal.

A Advocacia-Geral da União (AGU) deve pedir a inconstitucionalidade da lei ao Supremo Tribunal Federal. Já há uma ação do PSB contra a lei no STF. A AGU, no governo Jair Bolsonaro, se manifestou a favor da lei no ano passado.

Outra possibilidade jurídica avaliada é editar uma medida provisória tratando da nota fiscal eletrônica e da presunção de boa-fé dos compradores de ouro. Diversos ministérios analisam o assunto, sob coordenação da Casa Civil.

Presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann afirma que a nota fiscal eletrônica permite criar mecanismos para resguardar a legalidade do ouro comercializado. O Ibram representa multinacionais e grandes mineradoras nacionais, e defende a medida.

— A nota fiscal eletrônica permite a rastreabilidade e cruzar com informações de outras fontes. Um determinado vendedor dá as informações e imediatamente é possível cruzar com dados e saber se aquela lavra é legal. Sem isso, não tem como rastrear — afirma Jungmann.


Fonte: O GLOBO