Devastado pela guerra civil, país conquistou sua independência em 2011, mas sofre com fome, pobreza e inundações desde então; Francisco discursará perante as autoridades nesta sexta

O Papa Francisco chegou ao Sudão do Sul nesta sexta-feira para uma visita de três dias para promover a paz e a reconciliação neste país devastado pela guerra civil e um dos mais pobres do planeta. Esta "peregrinação de paz" é a primeira visita de um sumo sacerdote ao país desde que a nação de maioria cristã conquistou a independência do Sudão de maioria muçulmana em 2011, após décadas de conflito.

Sentado em uma cadeira de rodas, Francisco, de 86 anos, foi recebido às 14h45 (9h45 de Brasília) pelo presidente Salva Kiir no aeroporto da capital Juba. Mais tarde fará um primeiro discurso perante as autoridades e o corpo diplomático. No sábado, ele se encontrará com religiosos católicos e deslocados internos e fará uma oração ecumênica. No domingo, oficiará uma missa.

Faz pouco mais de uma década que a fumegante capital do Sudão do Sul explodiu de alegria, com foliões cantando e dançando noite adentro para marcar o nascimento de sua nova nação ao se separar de seu antigo inimigo, o Sudão.

O novo país foi aplaudido em 2011 pelos diplomatas americanos e pelas celebridades de Hollywood que defenderam sua causa. Bilhões de dólares foram investidos em um ambicioso projeto de construção do Estado que ofereceu um novo começo a um povo cansado após décadas de guerra. "Liberdade!", eles choraram.

Mas para as pessoas no Sudão do Sul, isso agora parece um tempo distante. Envolvido pela guerra civil, fome e, mais recentemente, inundações, o país mais jovem do mundo foi atormentado por dissidências e frustrado por líderes que embolsaram sua considerável riqueza de petróleo. Nenhum líder ocidental jamais fez uma visita pública, deixando muitos sul-sudaneses se sentindo esquecidos.

Mas não pelo Papa Francisco, que desembarcou na capital, Juba, nesta sexta-feira, depois de visitar a República Democrática do Congo — uma turnê africana destinada a lançar luz sobre alguns dos países mais problemáticos e ignorados do continente.

A empolgação vem crescendo há semanas. Murais coloridos de Francisco apareceram nas ruas em ruínas da capital, onde uma nova estrada asfaltada, ainda uma raridade no Sudão do Sul, foi construída ao longo da rota acidentada para a nunciatura papal. A estrada passa por embaixadas ocidentais semelhantes a fortalezas e postos de controle militares onde, na maioria das noites, soldados mal pagos solicitam propina de motoristas.

A expectativa também era grande em Bentiu, 680 km ao norte, onde mulheres bastante empolgadas agradeceram a visita planejada do Papa durante uma missa recente em uma igreja repleta de deslocados das piores enchentes do Sudão do Sul em meio século.

Falando por um megafone, o reverendo Joseph Makui brincou que sua igreja era tão grandiosa quanto o Vaticano, depois atacou os líderes negligentes do país.

— Eles têm o dinheiro, mas não dividem conosco — disse ele.

Os líderes católicos romanos insistem que a visita é pastoral, não política. Mas em um país tão fraco e dividido como o Sudão do Sul, onde as igrejas cristãs ainda exercem grande influência, a política pode ser impossível de evitar.

Simbolismos e divisões

Francisco desembarcou no país com companheiros excepcionalmente proeminentes: o arcebispo de Canterbury e o chefe simbólico da Comunhão Anglicana global, Justin Welby, e o líder da Igreja da Escócia, Iain Greenshield. Na era colonial, os missionários cristãos no Sudão foram divididos pelo rio Nilo, com os católicos autorizados a pregar de um lado e os anglicanos do outro.

Agora, os “três reis magos”, como alguns os apelidaram, se reuniram para uma peregrinação conjunta — a primeira desse tipo, dizem os líderes da Igreja — em um esforço para trazer a situação dos sudaneses do sul à atenção global.

O papa está vindo “como um pastor, falando ao seu povo e pedindo a conversão dos corações”, disse em entrevista o arcebispo Bert Van Megen, núncio apostólico no Quênia e no Sudão do Sul. Cerca de seis milhões dos 11 milhões de habitantes do Sudão do Sul são católicos, disse ele, incluindo seu presidente, Salva Kiir.

Nesta sexta-feira, Francisco será recebido em Juba por Kiir, um ex-rebelde que lidera o Sudão do Sul desde 2011, em grande parte envolvido em uma disputa feroz com seu arquirrival, Riek Machar.

Em um gesto dramático no Vaticano em 2019, o Papa Francisco prostrou-se e beijou os sapatos de Kiir e de Machar. Foi uma demonstração calculada de humildade destinada a pressionar os dois homens a resolver uma rivalidade que desencadeou uma guerra civil em 2013, causando cerca de 400 mil mortes.

Eles também representam a maior linha divisória do Sudão do Sul: Kiir é membro do grupo étnico dinka, que domina o governo e as forças de segurança, enquanto Machar pertence aos nuer, os maiores rivais dos Dinka.

O beijo papal não foi suficiente para curar essa divisão. Embora Kiir e Machar tenham formado um governo de unidade em 2020, o relacionamento continua dilacerado pela desconfiança. A integração de grupos armados rivais em um exército unificado está inacabada.

E os conflitos locais continuam em diferentes partes do país, muitas vezes manipulados por líderes nacionais, incluindo Kiir, como forma de minar a influência dos rivais ou consolidar seu próprio poder, dizem analistas e diplomatas.

Na violência mais recente, pelo menos 27 pessoas, incluindo cinco crianças, morreram em confrontos na quinta-feira no estado da Equatória Central. Escrevendo no Twitter, o bispo Welby chamou os assassinatos de “uma história ouvida com muita frequência no Sudão do Sul”.

É improvável que a multidão que recebe Francisco seja tão grande quanto no Congo: com poucas estradas pavimentadas ligando as cidades do Sudão do Sul e uma infinidade de grupos armados espalhados pelo território, a jornada para Juba é muito difícil ou perigosa para a maioria dos residentes.

O Sudão do Sul lidera regularmente os rankings menos desejáveis. No ano passado, a Transparência Internacional classificou o país como o mais corrupto do mundo (na lista deste ano, publicada na terça-feira, foi derrotado pela Somália em primeiro lugar). De acordo com as Nações Unidas, o Sudão do Sul é o país mais mortal para um trabalhador humanitário.

Receitas do petróleo

Uma crescente pilha de relatórios investigativos documentaram como as receitas do petróleo continuam a desaparecer — bilhões e bilhões de dólares. No entanto, ninguém parece saber para onde foi o dinheiro — nem mesmo o funcionário responsável.

— Não vejo o dinheiro — disse Puot Kang Chol, ministro do petróleo do Sudão do Sul, em uma entrevista. — Só vejo números no papel.

Chol, de 38 anos, um assessor de Machar que ingressou no governo de unidade em 2020, disse que as receitas do petróleo eram dirigidas pelo Ministério das Finanças, que é controlado por Kiir. A transição política paralisada foi “um desastre para o país”, afirmou, acrescentando que esperava que a visita de Francisco pudesse dar um impulso.

— Os sul-sudaneses admitem em particular que seu país é essencialmente um fundo secreto — disse Alan Boswell, especialista em Sudão do Sul da International Crisis Group, voltada à resolução e prevenção de conflitos armados internacionais. — Seus líderes estão no topo de um Estado falido, desviando as receitas do petróleo enquanto o resto do país sai de controle.


Fonte: O GLOBO