Chamado "passaporte vacinal" é simbólico para bolsonaristas, mas na prática sanção tem valor simbólico

O governador de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou nesta terça-feira o fim da exigência do comprovante de vacinação contra a Covid-19 no estado. O prazo para análise do projeto de lei, proposto por deputados bolsonaristas em dezembro, vence no mesmo dia.

Com isso, não haverá mais a obrigatoriedade da apresentação do comprovante de vacinação para acessar locais públicos e privados. Há algumas exceções: profissionais de saúde que tenham tido contato com imunossuprimidos, trabalhadores em instituições para idosos, mulheres grávidas e profissionais em contato com crianças portadoras de doenças crônicas.

Na prática, a sanção tem valor simbólico, uma vez que muitos locais já dispensaram a exigência de comprovação da vacina. Em maio de 2022, por exempo, a Prefeitura de São Paulo já havia flexibilizado a medida. Mas o chamado "passaporte vacinal" se tornou item crucial da guerra cultural encampada pelos bolsonaristas, para quem a briga contra a obrigatoriedade da imunização está associada ao valor da "liberdade".

O projeto é considerado invariavelmente uma dor de cabeça pelo seu entorno. Por um lado, o veto enfureceria a base bolsonarista, contrária à vacinação obrigatória. Por outro, a sanção deve lhe custar críticas pela decisão considerada contrária às orientações científicas.

A pandemia de covid-19 deixou cerca de 700 mil mortos até o momento no Brasil, uma das regiões do mundo onde ela foi mais letal. Após quase três anos da crise sanitária, o país teve recentemente o primeiro dia sem um único óbito pela doença.

Contam a favor da sanção dois principais fatores. O primeiro é que se tratava de uma promessa de campanha. A segunda se refere ao incômodo que seu eleitorado vem sentindo desde que Tarcísio decidiu se encontrar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Brasília.

O governador foi criticado pela militância pela ida a Brasília para reunião com quem é considerado o maior adversário do ex-presidente Jair Bolsonaro. O petista reuniu os mandatários regionais após a invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes, na capital federal, como forma de demonstrar união contra o golpismo. 

A imagem do aperto de mão entre o ex-ministro de Bolsonaro e Lula inflamou os ânimos dos apoiadores mais fervorosos.

Outros exemplos, como a sanção da lei que facilita o acesso a maconha medicinal no SUS e a declaração de que ele não se considera um "bolsonarista raiz", entram no cálculo. O fim da exigência da vacinação é considerada uma concessão após as primeiras "derrapadas".

Nesta semana, dois episódios ajudaram a colocar mais carga na decisão de Tarcísio. Além de ele ter sido diagnosticado com covid-19 no domingo, a partir de quando passou a se isolar no Palácio dos Bandeirantes, a secretária de Políticas para a Mulher, Sonaira Fernandes, repercutiu nesta terça-feira a crítica do presidente do Conselho Federal de Medicina ao uso de máscaras.

Em uma publicação no Facebook, Sonaira questiona: "fomos enganados esse tempo todo?" Funcionários do Palácio dos Bandeirantes viram a atitude com irritação, avaliando que reforça o caráter antivacina presente no bolsonarismo radical, algo do qual Tarcísio vem tentando se desvencilhar.

O discurso de Tarcísio para amenizar a sanção é de que o estado de São Paulo atingiu "os mais altos índices de cobertura vacinal do país", fruto da conscientização sobre a importância das vacinas, e que o governo vai trabalhar por campanhas de vacinação e pela disponibilização de imunizantes para todos.

— A Secretaria de Saúde e o Governo de SP são favoráveis à vacina e entendemos que ela é o melhor instrumento que une custo e efetividade para a prevenção de doenças. O que está em discussão é apresentação do comprovante em determinadas situações — afirmou o secretário de Saúde, Eleuses Paiva.


Fonte: O GLOBO