Presidente testa mensagem para campanha e adota tom otimista, enquanto vaias de republicanos deixam nítida a atmosfera de polarização

Em tom otimista e de olho nas eleições presidenciais marcadas para o ano que vem, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aproveitou o tradicional discurso anual sobre o Estado da União nesta terça-feira para enfatizar conquistas econômicas de seus dois primeiros anos de governo. 

Biden, que não é um grande orador e por vezes gagueja e troca palavras em público, fez um discurso confiante e com pitadas de bom humor, que incluiu também muitas menções ao suposto excepcionalismo americano.

Conquistas econômicas foram o cerne da mensagem. O presidente procurou deixar claro haver uma diferença entre a sua concepção de economia e outra vigente por décadas, defendendo que rompeu com a ideia de “gotejamento” — a concepção de que benefícios econômicos no topo da pirâmide social escoam até camadas inferiores.

— Eu concorri a presidente para construir uma economia de baixo para cima e do meio para fora, não de cima para baixo. Porque quando a classe média vai bem, os pobres sobem e os ricos ainda vão muito bem. Todos nós vamos bem — afirmou Biden. — Estamos construindo uma economia onde ninguém fica para trás. Os empregos estão voltando, o orgulho está voltando, por causa das escolhas que fizemos nos últimos dois anos.

O presidente defendeu sua abordagem econômica, que consistentemente tem feito o desemprego ficar num patamar baixo — atualmente em torno de 3,5%, é o menor dos últimos 50 anos —, enquanto a inflação tem caído desde junho do ano passado, estando atualmente em torno de 6%. Biden disse que há "progressos" a fazer, mas, acima de tudo, a sociedade tem que "ser otimista”.

— Dois anos atrás, nossa economia estava cambaleando — afirmou, sem enfatizar que, há dois anos, a pandemia ainda estava virulenta e a vacinação estava no início. — Enquanto estou aqui esta noite, criamos um recorde de 12 milhões de novos empregos, mais empregos criados em dois anos do que qualquer presidente já criou em quatro anos.

O presidente várias vezes enfatizou que “estamos só começando”, dando a entender que outras conquistas estão à frente. Ele também citou medidas que podem constar em sua campanha rumo a um novo mandato na Casa Branca nas eleições presidenciais marcadas para o final do ano que vem. 

Biden fez várias promessas econômicas de esquerda, como a adoção de um novo imposto para bilionários e a quadruplicação do imposto sobre recompra de ações, sugestões que têm poucas chances de passar pelo Congresso atual, mas que podem repercutir no público.

— Vejam, eu sou um capitalista, mas paguem sua parte justa. O sistema tributário não é justo — afirmou, sob aplausos de democratas, enquanto os republicanos ficavam sentados e alguns chegavam a vaiar.

O discurso do Estado da União é uma mensagem anual transmitida pelo presidente dos Estados Unidos frente a uma sessão conjunta do Congresso no início de cada ano, abordando temas como orçamento nacional, economia, política externa, agenda, realizações e prioridades. Milhões de telespectadores costumam acompanhar ao vivo o evento. 

A tradição é marcada por ovações da base governista e expressões de reprovação no campo oposto — neste caso, os republicanos, que, desta vez, várias vezes vaiaram o presidente.

Biden, que, quando senador, ficou conhecido pelos amplos pactos bipartidários costurados no Congresso, pediu aos legisladores de ambos os partidos que trabalhem juntos na nova Legislatura que assumiu em janeiro. 

Ele citou os esforços do último Congresso para aprovar recursos para a defesa da Ucrânia e também para aprovar um grande pacote de infraestrutura. Apesar das divergências, "várias vezes, democratas e republicanos se uniram", disse Biden.

— Muitas vezes nos dizem que democratas e republicanos não podem trabalhar juntos. Mas nos últimos dois anos, provamos que os cínicos e os pessimistas estavam errados — disse Biden. — Para meus amigos republicanos, se pudemos trabalhar juntos no último Congresso, não há razão para não trabalharmos juntos e chegarmos a um consenso sobre coisas importantes neste Congresso também.

Uma das áreas nas quais ele pediu cooperação foi o clima:

— A crise climática não se importa se você está em um estado vermelho ou azul. É uma ameaça existencial.

Biden, que ainda não anunciou oficialmente a sua candidatura, mas que várias vezes indicou que planeja se candidatar, tem empregado tom mais duro contra os republicanos nas últimas semanas, descrevendo-os como extremistas e alheios às preocupações dos americanos. 

Um dos momentos mais tensos ocorreu quando Biden disse que alguns republicanos querem que o plano de saúde federal Medicare e que a Seguridade Social desapareçam a cada cinco anos.

— Não estou dizendo que é a maioria de vocês — disse o presidente, sob vaias. Ao menos um republicano o chamou de mentiroso.

A ofensiva política acontece em meio a perspectivas eleitorais negativas. Desde agosto de 2021, a aprovação de Biden, que hoje tem 80 anos e que durante as eleições terá 82, está abaixo de 50%. Apenas três outros presidentes do pós-guerra tiveram índices de aprovação mais baixos do que Biden neste momento de suas Presidências, e dois deles, Donald Trump e Jimmy Carter, perderam nas urnas.

Sobre a guerra da Ucrânia, um item da agenda no qual investiu vigorosamente, Biden descreveu os EUA como liderando as democracias mundiais contra uma agressão autoritária russa. Biden agradeceu a embaixadora da Ucrânia Oksana Markarova para mais uma vez comparecer ao evento, ressaltando sua intenção de pressionar os legisladores a continuar o fluxo de ajuda e armas para seu país.

O presidente americano disse que a invasão da Ucrânia pelo presidente russo, Vladimir Putin, foi um teste pelo qual os EUA e seus aliados da Otan passaram:

— A invasão de Putin foi um teste para os tempos, um teste para os Estados Unidos, um teste para o mundo — disse Biden.

O discurso deste ano ocorreu em meio a um contexto de tensões acirradas com a China após o caso do suposto balão espião Houve várias menções hostis a Pequim, tanto na área de segurança quanto a indústrias que migraram para o país asiático.

— Não se enganem: como deixamos claro na semana passada, se a China ameaçar nossa soberania, agiremos para proteger nosso país — disse Biden. — E sejamos claros: vencer a competição com a China deve unir todos nós. Enfrentamos sérios desafios em todo o mundo.

O presidente encerrou o discurso com uma defesa da democracia e uma condenação da invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021.

— A democracia não deve ser uma questão partidária. Deve ser uma questão americana. Cada geração de americanos mudou um momento em que foi chamada a proteger nossa democracia, defendê-la, defendê-la. E este é o nosso momento — disse Biden.


Fonte: O GLOBO