Produtores do país acumulam prêmios internacionais e miram crescimento da safra para os próximos anos

O currículo é de fazer inveja: a mitologia diz que a oliveira e, por consequência, o azeite foram luxuosos presentes deixado por Atenas, a deusa da sabedoria, para os gregos. Médicos e pesquisadores, por sua vez, já descobriram que esse tipo de óleo em sua versão extravirgem ajuda na saúde do coração e deixa a dieta mais nutritiva.

E adeptos da boa mesa consideram o item essencial na despensa. De olho nessa boa reputação e no mercado faminto por novas versões do alimento, os produtores brasileiros começam a escalar a fabricação e abocanhar prêmios internacionais.

Trata-se de uma produção em ajuste e crescimento constante, dizem os envolvidos. Este ano, segundo dados do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), 500 mil litros de azeite devem ser despejados no mercado brasileiro — a mesma monta do ano passado, um recorde sem precedentes.

O número, dizem alguns produtores, é passível de mudanças, pois o período de colheita foi iniciado há poucas semanas, e a qualidade das azeitonas poderá influenciar.

A palavra de ordem entre os fabricantes ouvidos pelo GLOBO é crescer, mas com cautela, pois o ineditismo do negócio ainda inspira algumas dúvidas em relação aos impactos do clima e de técnicas de colheita, por exemplo.

— No Brasil, chegamos a ter colheitas iniciais (após o plantio) em quatro anos. Na Europa, há oliveiras que demoram mais que o dobro de tempo para chegar ao mesmo patamar — garante Renato Fernandes, presidente da Ibraoliva. — A maior parte da produção vem do Rio Grande do Sul. Estimamos que no país existam cerca de 450 produtores, mas com boa escala para venda são 80.

Na Fazenda Rainha, no município paulista de São Sebastião da Grama, divisa entre São Paulo e Minas, são 80 hectares dedicados às azeitonas. O local, visitado pela reportagem do GLOBO, produz o azeite Orfeu, que conta com seis opções. Premiados, os rótulos têm uma progressão de intensidade e picância de sabor, explica Alexandre Marchetti, agrônomo responsável pelo desenvolvimento do produto.

Os preços variam de R$ 189 a R$ 249, caso do lote limitado de cor verde intensa extraído da azeitona Picual, de origem espanhola. A sugestão é que acompanhe pizzas, carnes e pão italiano. A média de produção do local, considerando a previsão deste ano e o que foi feito no ano passado, é de 10 mil litros de todos os tipos de azeite, vendidos no e-commerce próprio e em empórios gastronômicos premium.

A previsão, diz o diretor de marketing da empresa, Fabio Gianetti, é que a safra de 2024 ultrapasse os 20 mil litros, sendo a maior da história.

— Tentamos a produção por 14 anos. Quando conseguimos, em 2013, fizemos cinco litros de experimentais e fomos aumentando. No segundo ano foram duas toneladas, depois sete. Partimos para o mercado em 2020. 

Dois anos antes, começamos a entrar em concursos. No primeiro, na Itália, saímos premiados, em Israel e na Argentina também — orgulha-se Marchetti. — Depois da vitória, decidimos que era hora de ampliar a produção e entramos no mercado.

Segundo os responsáveis pela marca Orfeu, já conhecida por seus cafés especiais, este ano deve ser lançado um novo blend — nome que se dá à combinação de tipos de azeitonas com a intenção de chegar a um sabor inédito.

Não é a primeira vez que se tenta engrenar a produção no país, diz o azeitólogo Paulo Freitas, à frente do portal Azeite Online. Houve uma tentativa no império, por exemplo — logo banida, para não criar concorrência com Portugal. A última década conseguiu o ineditismo de ter diversas opções viáveis, afirma:

— O desafio do país é lidar com a chuva e a umidade. Só que nossa produção ainda não representa 0,5% do que o Brasil consome. Estamos entre os dez maiores consumidores do mundo. O interesse para produzir é imenso.

Há razões para o apetite das premiações internacionais em relação ao azeite brasileiro. Uma delas é que os óleos produzidos aqui são puxados para as frutas: uma prova mais atenta consegue perceber um discreto sabor de banana, pera e maçã.

Carla Retuci, à frente do azeite Borriello, cita ainda o curto trajeto entre a fazenda e os pratos de comida, o que faz com que o azeite brasileiro ganhe pontos frente às versões internacionais.

— Estamos dobrando a produção neste ano e mantendo o frescor. Consigo colocar um azeite para venda 20 dias depois da colheita. Algo que era impensável no sistema de importação. O interesse dos restaurantes explodiu — diz Carla, ressaltando que busca disseminar conhecimento sobre o azeite. — Fazemos treinamentos nos restaurantes, apresentamos em universidades.

No ano passado, a Borriello produziu 6 mil litros de azeite. Este ano, deve produzir 8 mil litros.

Em geral, os produtores brasileiros plantam os mesmos tipos de azeitona, uma média de seis variedades, cujo desenvolvimento dá certo sob as condições locais do clima e da terra. Os plantios estão no Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, sobretudo nas áreas da Serra da Mantiqueira.

Os responsáveis acompanham atentamente o impacto do sol e da chuva na produção, a fim de compreender como as oliveiras se comportam no clima tropical.

— Estou com a fazenda carregadérrima. Os frutos só não cresceram tanto neste 2023, mas o rendimento do seu interior é cada vez melhor — diz Luiz Eduardo Batalha, fundador do Azeite Batalha, um dos pioneiros no país. 

— O Brasil vai crescer milhares de vezes mais na produção nos próximos anos, ainda não chegamos a 8 mil hectares no país. Na Itália, Espanha, são milhões de hectares. Somos ridículos, mas com uma qualidade estúpida.

Rafael Marchetti, há dez anos no negócio e sócio da marca Prosperato, concorda:

— Temos consciência de que aqui não é o melhor lugar do mundo para produzir oliveiras. Só que dá para fazer muito bem, com qualidade, e mais importante: estar ao lado do consumidor. Com mais frescor e melhor conservação, o que é fundamental para o azeite.


Fonte: O GLOBO