Ex-ministro representou o presidente eleito em almoço promovido pela Febraban

Porto Velho, RO
- O ex- ministro da Educação Fernando Haddad, cotado para ser o ministro da Fazenda de Lula, disse a uma plateia formada por banqueiros e executivos de bancos, em almoço promovido pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), em São Paulo, que o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vai priorizar a reforma tributária já no primeiro ano de seu governo, com foco em impostos indiretos, mas em seguida a renda e o patrimônio estarão na pauta.

A pauta vai de encontro ao encontro mercado, mas Haddad não se esquivou de abordar também temas espinhosos aos bancos como taxação de fortunas e crédito mais barato. Foi aplaudido no final, mas sem entusiasmo dos presentes, que esperavam um discurso com respostas a questões mais urgentes como o encaminhamento da questão fiscal. No final, as palavras de Haddad não agradaram.

— Estamos há duas décadas tentando fazer esse trabalho (reforma tributária). Duas propostas amadureceram em relação a impostos indiretos, nesta primeira etapa. Lula vai dar prioridade a aprovação em relação aos tributos indiretos, mas depois pretende focar em renda e patrimônio para completar o ciclo — afirmou Haddad, que disse que veio dizer ao setor financeiro que Lula nunca opôs responsabilidade fiscal com social, que sempre atendeu os mais pobres e priorizou o crescimento do país.

Ele disse também que o crédito precisa ser barateado no país numa agenda com foco sobre a intermediação financeira. E afirmou que Lula foi 'criado numa mesa de negociação' e que o diálogo será a marca de seu terceiro mandato.

- Lula é um democrata, nasceu numa mesa de nogociação. Se é duro ou mole nas negociações, está no papel dele defender os interesses para os quais foi eleito. Mas não fará nada que não passe pelos poderes constituídos. Vai dialogar com o Congresso, a sociedade em busca do traço fino que vai levar à prosperidade - declarou Haddad.

Haddad foi escalado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para representá-lo no encontro, já que se recupera de uma cirurgia. Foi a primeira vez que um emissário do presidente se encontrou com o mercado após a eleição. Haddad disse que havia sido convidado pessoalmente para o evento, tinha recusado, mas acabou sendo escalado por Lula. No evento, Haddad ouviu do presidente da Febrabam Isaac Sidney, pedido de pevisibilidade para o país.

Haddad afirmou, antes de discursar, que falaria sobre os planos do próximo do governo e disse que não queria "frustrar expectativas".

Críticas ao orçamento

Ele criticou o orçamento do país e afirmou que a qualidade da despesa no Brasil piorou muito. Disse que os gastos com educação básica são equivalentes ao que gastam países da OCDE, mas que a gestão dos recursos não é bem feita.

— Hoje, temos dificuldade de atingir qualquer objetivo, seja em Saúde, Educação e Tecnologia. Precisamos reconfigurar o Orçamento, dar transparência, sempre com o protagonismo do Congresso — defendeu.

Disse que hoje famílias com renda entre 2 e 3 salários mínimos estão endividadas, não necessariamente com os bancos, e sem condições de se manter. Defendeu redefinir a intermediação financeira no país, com os instrumentos digitais disponíveis, para ter o barateamento do crédito. E pediu um spread (ganho dos bancos) mais baixo.

A escalação de Haddad por Lula foi vista pelo mercado como uma sinalização de que o presidente eleito escolherá o ex-prefeito de São Paulo como seu futuro ministro da Fazenda. Haddad faz parte do grupo temático de Educação, na transição, mas também estaria participando das discussões sobre Economia.

Segundo se especula, Haddad iria para a fazenda, enquanto o economista Pérsio Arida, um dos criadores do Plano Real, ocuparia a cadeira do Planejamento, ministério que será recriado. Isso, na avaliação do novo governo, poderia evitar uma reação negativa do mercado a Haddad, que disse no evento que era amigo de longa data de Arida.

O candidato derrotado ao governo de São Paulo sentou-se à mesa com os principais banqueiros do país, entre eles o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, do Itaú, Milton Maluhy, do BTG, André Esteves, da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, do vice-presidente do Banco do Brasil, Ricardo Forni, do Santander, Mario Leão. Cerca de 350 pessoas estiveram no almoço. Também participou do evento o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem mandato até 2024.

Petista falou sobre temas espinhosos ao mercado

Haddad foi recebido com expectativa pelos participantes, que esperavam com certa ansiedade pelo seu discurso. A esperança era que Haddad pudesse dar algum sinal do que virá em termos fiscais para o país, o principal ponto de preocupação dos gestores financeiros neste momento.

Mas isso acabou não acontecendo e Haddad preferiu uma fala mais genérica dos planos de governo. Não se intimidou diante da plateia de banqueiros ao tocar em assuntos como desintermediação financeira e imposto de renda sobre fortunas. Mas a avaliação final foi de um discurso sem senso de urgência, como definiu um executivo após o almoço.

- Foi uma fala genérica, sem qualquer sinalização fiscal. Falta senso de urgência - definiu um executivo ao final do encontro.

A participação de Haddad no almoço dos banqueiros foi vista como uma tenativa de acalmar o mercado financeiro, segundo participantes do encontro. Uma grande parte dos profissionais tem rejeição a Haddad, que não é próximo do mercado, e que esperava a indicação de um nome mais técnico e sem ligação forte com o PT. Logo após a fala de Haddad, o Ibovespa aprofundou suas perdas, enquanto o dólar acelerou seus ganhos ante o real.

Convite para assumir Fazenda ainda não veio, diz Haddad

Na saída do evento da Febraban, Haddad negou o convite para assumir o comando da equipe econômica no futuro governo Lula. Numa entrevista aos jornalistas presentes, o ex-ministro disse que ficar insinuando possíveis titulares de pastas não funciona e que o melhor é “dar liberdade” para que o presidente eleito escolha os integrantes de sua equipe.

Haddad disse ainda que acredita na capacidade da equipe de transição e do Congresso chegarem num denominador comum sobre a chamada PEC da transição. Para o petista, a proposta de emenda à Constituição é importante para enfrentar 2023 de acordo com o que aconteceu em 2022.

— Há muita expectativa sobre isso (...) existem negociadores qualificados em reunião com o presidente Lula. Eu acredito que o diálogo vai culminar num denominador comum — disse.

Haddad disse que o país tem um problema conjuntural que é encontrar um número para fazer a transição, mas que as reformas, como a tributária, terão impacto muito mais duradouro no crescimento do país. Disse que a questão do arcabouço fiscal terá um desfecho, mas feito com muito diálogo.

- Até o Tesouro tem uma proposta (para as regras fiscais), os economistas têm propostas. É preciso promover a transição para fazer esse ajuste. Acredito que é mais prudente fazer a discussão das regras fiscais depois da transição. As regras precisam ser críveis, senão se perde a respeitabilidade com os investidores - disse.

Outro nome na mira

Pelo menos três executivos de bancos consultados pelo GLOBO disseram sob a condição de anonimato que o nome de Haddad não é o preferido nas gestoras financeiras e dos bancos para a pasta da Economia. Segundo esses interlocutores, a indicação do ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, seria vista com mais bons olhos.

Segundo esses executivos, Padilha tem a qualidade de saber ouvir o mercado, como fez durante a campanha em encontros realizados em São Paulo com economistas e gestores de investimento, em que defendeu o equilíbrio fiscal.

Padilha, na visão desses executivos, teria condições mais favoráveis de articulação política no Congresso. Mesmo assim, disseram, se Haddad for indicado há disposição em manter diálogo aberto com o governo.

Os executivos defenderam que é preciso que novas regras fiscais sejam estabelecidas o mais rápido possível e que sejam "críveis". Por isso, a indicação de um nome para a Economia é uma questão considerada "urgente".

Segundo eles, a falta de um nome para a Economia provoca insegurança entre os investidores e tem impacto no câmbio e na taxa de juros de longo prazo, como tem se visto nas últimas semanas, depois das falas do presidente eleito defendendo mais gastos com programas sociais.

Eles afirmam que é preciso atender os mais pobres, mas que o governo precisa trabalhar dentro de certos limites fiscais. Eles esperam que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva repita o compromisso com a austeridade fiscal de seu primeiro governo.

BC defende limites fiscais



Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, participou do almoço anual da Febraban — Foto: Maria Isabel Oliveira

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também participou do almoço da Febraban e disse aos presentes que o arcabouço fiscal precisa ter limites. Ele afirmou que trazer a inflação de volta ao centro da meta ajudará o país na retomada do crescimento sustentável.

— Precisamos ser cautelosos com relação à inflação. Trazê-la de volta á meta é o melhor instrumento para crescimento e distribuição de renda — afirmou.

Cobrança de previsibilidade

Já o presidente da Febraban, Isaac Sidney, afirmou em seu discurso de abertura do evento que os bancos não estão vinculados à ideologia de seus governantes e que independe do governo que entra ou que sai vão trabalhar para o crescimento sustentável. Ele disse que o ano de 2022 foi de poucos avanços nas reformas estruturais e baixo crescimento.

Disse que é preciso o equilíbrio das contas públicas e o país precisa encontrar os meios para ampliar os investimentos públicos e criar condições para atrair o capital privado. Afirmou que, para isso, o país precisa ter condições de previsibilidade, estabilidade macroeconômica (com controle da inflação), e um ambiente negócio com segurança institucional e financiamento de longo prazo. Defendeu ainda as reformas estruturais para a melhoria do ambiente de negócios, especialmente a tributária.

— Precisamos reagir ao imobilismo de um país que tem se contentado com pouco crescmento. Independente do governo que sai ou entra, os bancos querem contribuir para um crescimento sustentável. A pauta dos bancos não está vinculada à ideologia dos governantes. Apesar das críticas que recebem, os bancos não têm do que envergonhar — disse Sidney, lembrando que o sistema financeiro irrigou a economia com R$ 13 trilhões durante a pandemia para famílias e empresas.


Fonte: O GLOBO